Eis aqui mais um programa para a criação poética, desta feita elaborado
pelo poeta venezuelano Rafael Cadenas: um roteiro que propugna pela palavra
sempre impregnada pela verdade, sem “dourar a pílula”.
Para tanto, o poeta recorre à precisão, à seleção exata do texto, sem
aproximações, sem rodeios, sem retórica verborrágica, de modo a expressar
exatamente aquilo que deseja, para que haja identidade entre o que lhe vai no
interno e a plena ênfase depositada no poema.
J.A.R. – H.C.
Rafael Cadenas
(n. 1930)
Ars poetica
Que cada palabra
lleve lo que dice.
Que sea como el
temblor que la sostiene.
Que se mantenga como
un latido.
No he de proferir
adornada falsedad ni poner tinta dudosa ni
añadir brillos a lo que es.
Esto me obliga a
oírme. Pero estamos aquí para decir verdad.
Seamos reales.
Quiero exactitudes
aterradoras.
Tiemblo cuando creo
que me falsifico. Debo llevar en peso mis palabras.
Me poseen tanto como yo a ellas.
Si no veo bien, dime
tú, tú que me conoces, mi mentira, señálame
la impostura, restriégame la estafa. Te lo agradeceré, en serio.
Enloquezco por
corresponderme.
Sé mi ojo, espérame
en la noche y divísame, escrútame, sacúdeme.
De: “Intemperie” (1977)
Pulsação
(Tanya Vasilenko:
pintora ucraniana)
Ars poetica
Que cada palavra
conduza o que exprime.
Que seja como o
tremor que a sustenta.
Que se mantenha como
uma pulsação.
Não hei de proferir
adornada falsidade nem pôr tinta duvidosa nem
acrescentar brilhos ao que é.
Isto obriga a
ouvir-me. Porém estamos aqui para dizer a verdade.
Sejamos reais.
Quero exatidões
aterradoras.
Tremo quando creio
que me falsifico. Devo sopesar minhas palavras.
Possuem-me tanto como eu a elas.
Se não vejo bem,
diz-me tu, tu que me conheces, minha mentira, assinala-me
a impostura, esfrega-me a trapaça.
Agradecer-te-ei, honestamente.
Fico louco por
retribuir.
Sê meu olho,
espera-me na noite e divisa-me, escrutina-me, sacode-me.
De: “Intempérie” (1977)
Referência:
CADENAS, Rafael. Ars poetica. In:
Ortega, Julio (Comp.). Antología de la
poesía hispanoamericana actual. 8. ed. México (DF): Siglo XXI, 2001. p.
288.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário