Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 22 de março de 2016

Pablo García Baena - Veneza

Diga aí internauta, se você nunca sonhou em conhecer Veneza, com aquele sereno encanto, histórias para contar, enredos que vão da literatura ao cinema, e singular arquitetura?

O poeta espanhol Pablo G. Baena, no poema abaixo, faz uma espécie de “brainstorming”, com tudo o que se associa à histórica cidade italiana, desde o famoso hotel Paganelli até as grimpas cimeiras de seus prédios seculares; da figura fictícia de Anna Karenina – que ali esteve a passear com o seu amante, Vronsky –, a Lord Byron – outro de seus ilustres residentes.

J.A.R. – H.C.

Pablo García Baena
(n. 1923)

  Venecia

“Allí Venecia en el otoño adriático...”
P. G. B.: Antiguo muchacho.
A Nadia Consolani

Allí Venecia en el otoño adriático
su veronés veneno verdeante,
su carnaval mojado desparrama,
reparte entre las manos del viajero
camisetas rayadas, bucentauros,
palomas ciprias hacia San Giorgio.
Llegan todos ansiosos: kodak, planos,
¡oh Venecia!,
tarjetas del albergo Paganelli.
Oros líquidos caen de los bulbos hinchados,
de las cúpulas tensas,
la corrupción nos acerca entre tus brazos náyades.
Chorreantes caballos patalean agónicos
los desteñidos bronces. Suena el tiempo
y te hundes, Venecia,
erizada de escamas como un reptil heráldico,
nos hundimos contigo en tu estancado páramo,
en ligeros pecados como música o lluvia,
frutales azafates donde bichean los vermes.
Se abrazan los tetrarcas en el pórfido,
presta la espada a la erosión del beso,
a la campana virgen del diácono.
Y te vuelves al mar, tu padre incestuoso
que te posee abierta, a la costumbre,
pintada actriz que sabe que el amor es moneda fugitiva,
vieja opulenta que fuiste Serenísima,
madre de usuras y mercaderías,
en tu diván de légamo y recuerdo.
Vuelves al mar. Por la Laguna Muerta
el cementerio flota como un ahogado oscuro,
barcazas de difuntos al olvido,
riada de sollozos alejándose:
Lord Byron, corazón de cornalina,
indumentos gofrados de Fortuny,
laureles dannunzianos,
rojas gemas al cuello de Desdémona,
Ana Karenina y su pamela paja
– niebla al fragor de la locomotora –:
“Usted puede arrastrar mi nombre por el lodo.”
Arrástranos contigo, cortesana del agua,
sueltos los ceñidores, los secretos,
cloacas engullendo últimas resistencias,
carmíneas lumbrerías del deseo.
Rige la podredumbre carnal con tu tridente,
caduceo florido, muslo, armiño encharcado,
mientras tus muros caen al liquen de los labios,
góticas cresterías hacia el fondo,
hacia el silencio, lecho, adormidera,
a tu fango de hastío y de sabiduría,
a tu esplendente fin inexorable,
Venecia.

(“Antes que el tiempo acabe”, 1978)

Praça de São Marcos
(Veneza)

  Veneza

“Ali Veneza no outono adriático...”
P. G. B.: Velho menino.
A Nadia Consolani

Ali Veneza no outono adriático
seu veronês veneno verdejante
seu carnaval molhado se espalha,
entrega nas mãos do viajante
camisetas listradas, bucentauros,
pombas cipriotas até San Giorgio.
Chegam todos ansiosos: kodak, planos,
oh Veneza!,
cartões do hotel Paganelli.
Ouros líquidos caem dos bulbos inchados,
das cúpulas tensas,
a corrupção nos aproxima entre teus braços náiades.
Jorrantes e agônicos cavalos pisoteiam
os desbotados bronzes. Soa o tempo
e te afundas, Veneza,
eriçada de escamas como um réptil heráldico,
nos afundamos contigo em teu estagnado páramo,
em rápidos pecados como música ou chuva,
bandejas de frutas onde os vermes espiam.
Se abraçam os tetrarcas no pórfiro,
empresta a espada à erosão do beijo,
ao sino virgem do diácono.
E te voltas ao mar, teu pai incestuoso
que te possui aberta, ao costume,
pintada atriz que sabe que o amor é moeda fugaz,
velha opulenta que foste Sereníssima,
mãe de usuras e mercadorias,
em teu divã de sedimento e memória.
Voltas ao mar. Pela Lagoa Morta
o cemitério flutua como um afogado soturno,
barcaças de defuntos ao esquecimento,
torrente de soluços distanciando-se:
Lord Byron, coração de cornalina,
indumentos gofrados de Fortuny,
lauréis dannunzianos,
gemas vermelhas ao colo de Desdêmona,
Ana Karenina e seu chapéu de palha
– nevoeiro ao fragor da locomotiva –:
“Você pode arrastar meu nome pelo lodo.”
Arrasta-nos contigo, cortesã da água,
soltas as cintas, os segredos,
esgotos devorando as últimas resistências,
carmíneas claraboias do desejo.
Rege a podridão carnal com teu tridente,
caduceu florido, coxa, arminho encharcado,
enquanto teus muros caem ao líquen dos lábios,
góticas cristas até o fundo,
até o silêncio, leito, dormideira,
a tua lama de fastio e de sabedoria,
a teu esplendente e inexorável fim,
Veneza.

(“Antes que o tempo acabe”, 1978)

Referência:

BAENA, Pablo García. Venecia. In: RUBIO, Fanny; FALCÓ, José Luis (Sellección, estudio y notas). Poesia española contemporánea: historia y antología (1939-1980). 1. ed. Madrid (ES): Editorial Alhambra, 1981. p. 220-221.

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