Diga aí internauta, se você nunca sonhou em conhecer Veneza, com aquele
sereno encanto, histórias para contar, enredos que vão da literatura ao cinema,
e singular arquitetura?
O poeta espanhol Pablo G. Baena, no poema abaixo, faz uma espécie de “brainstorming”,
com tudo o que se associa à histórica cidade italiana, desde o famoso hotel
Paganelli até as grimpas cimeiras de seus prédios seculares; da figura fictícia de Anna Karenina – que ali esteve a passear com o seu amante, Vronsky –,
a Lord Byron – outro de seus ilustres residentes.
J.A.R. – H.C.
Pablo García Baena
(n. 1923)
Venecia
“Allí Venecia en el otoño adriático...”
P. G. B.: Antiguo muchacho.
A Nadia Consolani
Allí Venecia en el
otoño adriático
su veronés veneno
verdeante,
su carnaval mojado
desparrama,
reparte entre las
manos del viajero
camisetas rayadas,
bucentauros,
palomas ciprias hacia
San Giorgio.
Llegan todos
ansiosos: kodak, planos,
¡oh Venecia!,
tarjetas del albergo
Paganelli.
Oros líquidos caen de
los bulbos hinchados,
de las cúpulas
tensas,
la corrupción nos
acerca entre tus brazos náyades.
Chorreantes caballos
patalean agónicos
los desteñidos
bronces. Suena el tiempo
y te hundes, Venecia,
erizada de escamas
como un reptil heráldico,
nos hundimos contigo
en tu estancado páramo,
en ligeros pecados
como música o lluvia,
frutales azafates
donde bichean los vermes.
Se abrazan los
tetrarcas en el pórfido,
presta la espada a la
erosión del beso,
a la campana virgen
del diácono.
Y te vuelves al mar,
tu padre incestuoso
que te posee abierta,
a la costumbre,
pintada actriz que
sabe que el amor es moneda fugitiva,
vieja opulenta que
fuiste Serenísima,
madre de usuras y
mercaderías,
en tu diván de légamo
y recuerdo.
Vuelves al mar. Por
la Laguna Muerta
el cementerio flota
como un ahogado oscuro,
barcazas de difuntos
al olvido,
riada de sollozos
alejándose:
Lord Byron, corazón
de cornalina,
indumentos gofrados
de Fortuny,
laureles
dannunzianos,
rojas gemas al cuello
de Desdémona,
Ana Karenina y su
pamela paja
– niebla al fragor de
la locomotora –:
“Usted puede
arrastrar mi nombre por el lodo.”
Arrástranos contigo,
cortesana del agua,
sueltos los
ceñidores, los secretos,
cloacas engullendo
últimas resistencias,
carmíneas lumbrerías
del deseo.
Rige la podredumbre
carnal con tu tridente,
caduceo florido,
muslo, armiño encharcado,
mientras tus muros
caen al liquen de los labios,
góticas cresterías
hacia el fondo,
hacia el silencio,
lecho, adormidera,
a tu fango de hastío
y de sabiduría,
a tu esplendente fin
inexorable,
Venecia.
(“Antes que el tiempo acabe”, 1978)
Praça de São Marcos
(Veneza)
Veneza
“Ali Veneza no outono adriático...”
P. G. B.: Velho menino.
A Nadia Consolani
Ali Veneza no outono
adriático
seu veronês veneno
verdejante
seu carnaval molhado
se espalha,
entrega nas mãos do
viajante
camisetas listradas,
bucentauros,
pombas cipriotas até
San Giorgio.
Chegam todos
ansiosos: kodak, planos,
oh Veneza!,
cartões do hotel
Paganelli.
Ouros líquidos caem
dos bulbos inchados,
das cúpulas tensas,
a corrupção nos
aproxima entre teus braços náiades.
Jorrantes e agônicos cavalos
pisoteiam
os desbotados
bronzes. Soa o tempo
e te afundas, Veneza,
eriçada de escamas
como um réptil heráldico,
nos afundamos contigo
em teu estagnado páramo,
em rápidos pecados
como música ou chuva,
bandejas de frutas
onde os vermes espiam.
Se abraçam os
tetrarcas no pórfiro,
empresta a espada à
erosão do beijo,
ao sino virgem do
diácono.
E te voltas ao mar,
teu pai incestuoso
que te possui aberta,
ao costume,
pintada atriz que
sabe que o amor é moeda fugaz,
velha opulenta que
foste Sereníssima,
mãe de usuras e mercadorias,
em teu divã de
sedimento e memória.
Voltas ao mar. Pela
Lagoa Morta
o cemitério flutua
como um afogado soturno,
barcaças de defuntos
ao esquecimento,
torrente de soluços
distanciando-se:
Lord Byron, coração
de cornalina,
indumentos gofrados
de Fortuny,
lauréis dannunzianos,
gemas vermelhas ao
colo de Desdêmona,
Ana Karenina e seu
chapéu de palha
– nevoeiro ao fragor
da locomotiva –:
“Você pode arrastar
meu nome pelo lodo.”
Arrasta-nos contigo, cortesã da água,
soltas as cintas, os
segredos,
esgotos devorando as
últimas resistências,
carmíneas claraboias
do desejo.
Rege a podridão
carnal com teu tridente,
caduceu florido,
coxa, arminho encharcado,
enquanto teus muros
caem ao líquen dos lábios,
góticas cristas até o
fundo,
até o silêncio,
leito, dormideira,
a tua lama de fastio
e de sabedoria,
a teu esplendente e
inexorável fim,
Veneza.
(“Antes que o tempo acabe”, 1978)
Referência:
BAENA, Pablo García. Venecia. In:
RUBIO, Fanny; FALCÓ, José Luis (Sellección, estudio y notas). Poesia española contemporánea: historia
y antología (1939-1980). 1. ed. Madrid (ES): Editorial Alhambra, 1981. p. 220-221.
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