Mais um belo poema sobre a quadra natalina – de autoria do político e
escritor português Manuel Alegre –, aqui vista sob um “clima” no qual as coisas
“aconteciam”, plasmadas, num sopro poético, em palavras e música. Ao fundo,
percebe-se ainda a influência onipresente de um outro clima, este denotativamente
epocal, debaixo de chuva, sob o vento... e era dezembro!
J.A.R. – H.C.
Manuel Alegre
(n. 1936)
Natal
Acontecia. No vento.
Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr
pela música acima.
Uma onda uma festa.
Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos.
Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras.
Ou talvez mar.
E acontecia. No
vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu
rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus
ritos.
No teu sono nos teus
gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos
teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios
infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um
salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só
tempo: andamento
de poesia. Era um
susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela
chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada
acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada
pelo vento.
Natal Natal (diziam).
E acontecia.
Como se fosse na
palavra a rosa brava
acontecia. E era
Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no
teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa
e a palavra.
Todo o tempo num só
tempo: nascimento de poesia.
Sledding to Town
(Chuck Pinson)
Referência:
DUARTE, Manuel Alegre de M. Natal. In:
__________. 30 anos de poesia: obra
poética completa. Prefácio de Eduardo Lourenço. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote,
1997. p. 347.
Nenhum comentário:
Postar um comentário