Sem quaisquer sinais de pontuação que não sejam dois simples travessões,
assentamos um poema de Ferreira Gullar, a expressar, de um modo pouco
convencional, o que, em seu entendimento, configuraria a arte da poesia.
J.A.R. – H.C.
Jovem Lendo sob Luz de Vela
(Matthias Stom: ~1600-1652)
Arte Poética
Não quero morrer não
quero
apodrecer no poema
que o cadáver de
minhas tardes
não venha feder em
tua manhã feliz
e o lume
que tua boca acenda
acaso das palavras
− ainda que nascido
da morte −
some-se
aos outros fogos do
dia
aos barulhos da casa
e da avenida
no presente veloz
Nada que se pareça
a pássaro empalhado
múmia
de flor
dentro do livro
e o que da noite
volte
volte em chamas
ou em chaga
vertiginosamente como
o jasmim
que num lampejo só
ilumina a cidade
inteira
Em: “Na Vertigem do
Dia” (1975/1980).
Referência:
GULLAR, Ferreira. Arte poética. In:
__________. Os melhores poemas.
Seleção de Alfredo Bosi. 2. Ed. São Paulo: Global, 1985. (Os Melhores Poemas n.
3). p. 146.
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