Continuando na linha dos longos poemas, trazemos mais um repleto de
loas aos gatos, de autoria do francês Maurice Rollinat. Nele, a figura do felino aparece detentora de ampla liberdade e, bem mais que isso, arrebatada pela luxúria.
Talvez sim, talvez não, a identidade do autor com o seu bichano presumivelmente
denota muito da índole mental do próprio poeta.
Observe-se que o poema em questão se encontra na seção “Luxúrias” da
obra em referência, a reforçar ainda mais a sua atmosfera rica em alusões
sensuais. Além disso, há versos de explícita intertextualidade, como os que se
reportam a Baudelaire e seus inúmeros poemas sobre o animal, alguns dos quais
aqui já postados – melhor dizendo, todos os que se encontram em sua obra-prima “As
Flores do Mal”.
J.A.R. – H.C.
Maurice Rollinat
(1846-1903)
(Desenho de F.
Desmoulin)
Le Chat
(À Léon Cladel)
Je comprends que le chat ait frappé Baudelaire
Par son être magique où s’incarne le sphinx;
Par le charme câlin
de la lueur si claire
Qui s’échappe à longs
jets de ses deux yeux de lynx,
Je comprends que le
chat ait frappé Baudelaire.
Femme, serpent,
colombe et singe par la grâce,
Il ondule, se cambre
et regimbe aux doigts lourds;
Et lorsque sa fourrure abrite une chair grasse,
C’est la beauté plastique en robe de velours:
Femme, serpent, colombe et singe par la grâce.
Vivant dans la pénombre et le silence austère
Où ronfle son ennui comme un poêle enchanté,
Sa compagnie apporte
à l’homme solitaire
Le baume consolant de
la mysticité
Vivant dans la pénombre et le silence austère.
Tour à tour triste et gai, somnolent et folâtre,
C’est bien l’âme du gîte où je me tiens sous clé;
De la table à
l’armoire et du fauteuil à l’âtre,
Il vague, sans salir
l’objet qu’il a frôlé,
Tour à tour triste et gai, somnolent et folâtre.
Sur le bureau couvert de taches d’encre bleue
Où livres et cahiers gisent ouverts ou clos,
Il passe comme un souffle, effleurant de sa queue
La feuille où ma pensée allume ses falots,
Sur le bureau couvert de taches d’encre bleue.
Quand il mouille sa patte avec sa langue rose
Pour lustrer son poitrail et son minois si doux,
Il me cligne de l’œil en faisant une pause,
Et je voudrais toujours l’avoir sur mes genoux
Quand il mouille sa patte avec sa langue rose.
Accroupi chaudement aux temps noirs de décembre
Devant le feu qui flambe, ardent comme un enfer,
Pense-t-il aux souris dont il purge ma chambre
Avec ses crocs de nacre et ses ongles de fer?
Non ! assis devant l’âtre aux temps noirs de
décembre.
Entre les vieux
chenets qui figurent deux nonnes
À la face bizarre,
aux tétons monstrueux,
Il songe à l’angora,
mignonne des mignonnes,
Qu’il voudrait bien avoir, le beau voluptueux,
Entre les vieux
chenets qui figurent deux nonnes.
Il se dit que l’été,
par les bons clairs de lune,
Il possédait sa
chatte aux membres si velus;
Et qu’aujourd’hui, pendant la saison froide et
brune,
Il doit pleurer
l’amour qui ne renaîtra plus
Que le prochain été,
par les bons clairs de lune.
Sa luxure s’aiguise
aux râles de l’alcôve,
Et quand nous en
sortons encor pleins de désir,
Il nous jette un
regard jaloux et presque fauve,
Car tandis que nos
corps s’enivrent de plaisir,
Sa luxure s’aiguise
aux râles de l’alcôve.
Quand il bondit enfin sur la couche entrouverte,
Comme pour y cueillir un brin de volupté,
La passion reluit dans sa prunelle verte:
Il est beau de
mollesse et de lubricité
Quand il bondit enfin sur la couche entrouverte.
Pour humer les parfums qu’y laisse mon amante,
Dans le creux où son corps a frémi dans mes bras,
Il se roule en
pelote, et sa tête charmante
Tourne de droite à
gauche en flairant les deux draps,
Pour humer les
parfums qu’y laisse mon amante.
Alors il se
pourlèche, il ronronne et miaule,
Et quand il s’est
grisé de la senteur d’amour,
Il s’étire en bâillant avec un air si drôle,
Que l’on dirait qu’il
va se pâmer à son tour;
Alors il se pourlèche, il ronronne et miaule.
Son passé ressuscite, il revoit ses gouttières
Où, matou lovelace et toujours triomphant,
Il s’amuse à courir pendant des nuits entières
Les chattes qu’il enjôle avec ses cris d’enfant:
Son passé ressuscite, il revoit ses gouttières.
Panthère du foyer,
tigre en miniature,
Tu me plais par ton
vague et ton aménité,
Et je suis ton ami, car nulle créature
N’a compris mieux que
toi ma sombre étrangeté,
Panthère du foyer,
tigre en miniature.
Um Gato na Janela
(Van den Eycken:
1859-1923)
O Gato
(A Léon Cladel)
Compreendo que o gato
haja impressionado Baudelaire
Por seu ser mágico no
qual se encarna a esfinge;
Pelo charme mimoso do
resplendor tão claro
Que escapa em longos
raios de seus dois olhos de lince,
Compreendo que o gato
haja impressionado Baudelaire.
Mulher, serpente,
pomba e símia pela graça,
Ele ondula,
arqueia-se e resiste aos dedos letargos;
E quando seu pelo
protege uma gorda carne,
É a beleza plástica
em vestido de veludo:
Mulher, serpente,
pomba e símia pela graça.
Vivendo na penumbra e
no silêncio austero
Onde ronca seu tédio
como uma mortalha encantada,
Sua companhia leva ao
homem solitário
O bálsamo consolador
da mística
Vivendo na penumbra e
no silêncio austero.
Volta à volta triste
a alegre, sonolento e folgazão,
És bem a alma da morada onde me mantenho confinado;
Da mesa ao armário e
da poltrona à lareira,
Ele vagueia, sem
macular o objeto em que roçou,
Volta à volta triste
a alegre, sonolento e folgazão.
Sobre a escrivaninha
coberta de manchas de tinta azul
Onde livros e
cadernos repousam abertos ou fechados,
Ele passa como um
sopro, aflorando de sua cauda
A folha onde meus
pensamentos alumiam seus faróis,
Sobre a escrivaninha
coberta de manchas de tinta azul.
Quando ele molha sua
pata com a língua rosa
Para lustrar seu
torso e o rostinho tão doce,
Ele me pisca o olho
fazendo uma pausa,
E eu gostaria sempre
de tê-lo sobre meus joelhos
Quando ele molha sua
pata com a língua rosa.
Sentado calorosamente
nos tempos escuros de dezembro
Diante do fogo que
flameja, ardente como um inferno,
Será que ele pensa
nos ratos dos quais livra meu quarto
Com suas presas de
nácar e suas garras de ferro?
Não! Senta-se diante
da lareira nos tempos escuros de dezembro.
Entre os velhos suportes
que mais parecem duas freiras
Em vista da face
bizarra, das tetas monstruosas,
Ele sonha com a
angorá, sedutora das sedutoras,
Que ele bem gostaria
de ter, a bela voluptuosa,
Entre os velhos
suportes que mais parecem duas freiras.
Ele se diz que no
verão, pelos bons clarões da lua,
Possuía a sua gata em
seus membros peludos;
E que hoje em dia,
durante a temporada fria e escura,
Há de se lamentar do
amor que não mais renascerá
Até o próximo verão,
pelos bons clarões da lua.
Sua luxúria se aguça com
os gemidos da alcova,
E quando nos encontramos
outra vez cheios de desejo,
Ele nos atira um
olhar ciumento e quase selvagem,
Pois enquanto nossos
corpos se embriagam de prazer,
Sua luxúria se aguça
com os gemidos da alcova.
Quando por fim ele
salta sobre a colcha entreaberta,
Como que para
recolher um pouco de volúpia,
A paixão reluz em sua
pupila verde:
Revelando em sua
beleza brandura e lascívia
Quando por fim ele
salta sobre a colcha entreaberta.
Para aspirar os perfumes
exalados por minha amante,
No vazio onde seu
corpo fremiu em meus braços,
Ele rola feito bola,
e sua cabeça com encanto
Gira da direita à
esquerda farejando os dois lençóis,
Para aspirar os
perfumes exalados por minha amante.
Então ele se lambe,
ele ronrona e mia,
E quando fica
inebriado com o aroma do amor,
Estira-se a bocejar
com um ar tão engraçado,
Que diria que vai aturdir
e desmaiar;
Então ele se lambe,
ele ronrona e mia.
Seu passado
ressuscita, ele revê seus beirais
Onde, gato aliciador
e sempre triunfante,
Diverte-se em rastrear
durante noites inteiras
As gatas que ele
seduz com seus gritos infantis:
Seu passado
ressuscita, ele revê seus beirais.
Pantera da chaminé,
tigre em miniatura,
Tu me contentas pelo
teu vagar e amenidade,
E sou teu amigo, pois
nenhuma criatura
Compreendeu melhor
que tu minha obscura estranheza,
Pantera da chaminé,
tigre em miniatura.
Referência:
ROLLINAT, Maurice. Les luxures: le chat. In: __________. Les névroses. Paris (FR): G.
Charpentier et Cie., 1885. p. 103-106.
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