Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Maurice Rollinat – O Gato

Continuando na linha dos longos poemas, trazemos mais um repleto de loas aos gatos, de autoria do francês Maurice Rollinat. Nele, a figura do felino aparece detentora de ampla liberdade e, bem mais que isso, arrebatada pela luxúria. Talvez sim, talvez não, a identidade do autor com o seu bichano presumivelmente denota muito da índole mental do próprio poeta.

Observe-se que o poema em questão se encontra na seção “Luxúrias” da obra em referência, a reforçar ainda mais a sua atmosfera rica em alusões sensuais. Além disso, há versos de explícita intertextualidade, como os que se reportam a Baudelaire e seus inúmeros poemas sobre o animal, alguns dos quais aqui já postados – melhor dizendo, todos os que se encontram em sua obra-prima “As Flores do Mal”.

J.A.R. – H.C.
Maurice Rollinat
(1846-1903)
(Desenho de F. Desmoulin)

Le Chat

(À Léon Cladel)

Je comprends que le chat ait frappé Baudelaire
Par son être magique où s’incarne le sphinx;
Par le charme câlin de la lueur si claire
Qui s’échappe à longs jets de ses deux yeux de lynx,
Je comprends que le chat ait frappé Baudelaire.

Femme, serpent, colombe et singe par la grâce,
Il ondule, se cambre et regimbe aux doigts lourds;
Et lorsque sa fourrure abrite une chair grasse,
C’est la beauté plastique en robe de velours:
Femme, serpent, colombe et singe par la grâce.

Vivant dans la pénombre et le silence austère
Où ronfle son ennui comme un poêle enchanté,
Sa compagnie apporte à l’homme solitaire
Le baume consolant de la mysticité
Vivant dans la pénombre et le silence austère.

Tour à tour triste et gai, somnolent et folâtre,
C’est bien l’âme du gîte où je me tiens sous clé;
De la table à l’armoire et du fauteuil à l’âtre,
Il vague, sans salir l’objet qu’il a frôlé,
Tour à tour triste et gai, somnolent et folâtre.

Sur le bureau couvert de taches d’encre bleue
Où livres et cahiers gisent ouverts ou clos,
Il passe comme un souffle, effleurant de sa queue
La feuille où ma pensée allume ses falots,
Sur le bureau couvert de taches d’encre bleue.

Quand il mouille sa patte avec sa langue rose
Pour lustrer son poitrail et son minois si doux,
Il me cligne de l’œil en faisant une pause,
Et je voudrais toujours l’avoir sur mes genoux
Quand il mouille sa patte avec sa langue rose.

Accroupi chaudement aux temps noirs de décembre
Devant le feu qui flambe, ardent comme un enfer,
Pense-t-il aux souris dont il purge ma chambre
Avec ses crocs de nacre et ses ongles de fer?
Non ! assis devant l’âtre aux temps noirs de décembre.

Entre les vieux chenets qui figurent deux nonnes
À la face bizarre, aux tétons monstrueux,
Il songe à l’angora, mignonne des mignonnes,
Qu’il voudrait bien avoir, le beau voluptueux,
Entre les vieux chenets qui figurent deux nonnes.

Il se dit que l’été, par les bons clairs de lune,
Il possédait sa chatte aux membres si velus;
Et qu’aujourd’hui, pendant la saison froide et brune,
Il doit pleurer l’amour qui ne renaîtra plus
Que le prochain été, par les bons clairs de lune.

Sa luxure s’aiguise aux râles de l’alcôve,
Et quand nous en sortons encor pleins de désir,
Il nous jette un regard jaloux et presque fauve,
Car tandis que nos corps s’enivrent de plaisir,
Sa luxure s’aiguise aux râles de l’alcôve.

Quand il bondit enfin sur la couche entrouverte,
Comme pour y cueillir un brin de volupté,
La passion reluit dans sa prunelle verte:
Il est beau de mollesse et de lubricité
Quand il bondit enfin sur la couche entrouverte.

Pour humer les parfums qu’y laisse mon amante,
Dans le creux où son corps a frémi dans mes bras,
Il se roule en pelote, et sa tête charmante
Tourne de droite à gauche en flairant les deux draps,
Pour humer les parfums qu’y laisse mon amante.

Alors il se pourlèche, il ronronne et miaule,
Et quand il s’est grisé de la senteur d’amour,
Il s’étire en bâillant avec un air si drôle,
Que l’on dirait qu’il va se pâmer à son tour;
Alors il se pourlèche, il ronronne et miaule.

Son passé ressuscite, il revoit ses gouttières
Où, matou lovelace et toujours triomphant,
Il s’amuse à courir pendant des nuits entières
Les chattes qu’il enjôle avec ses cris d’enfant:
Son passé ressuscite, il revoit ses gouttières.

Panthère du foyer, tigre en miniature,
Tu me plais par ton vague et ton aménité,
Et je suis ton ami, car nulle créature
N’a compris mieux que toi ma sombre étrangeté,
Panthère du foyer, tigre en miniature.

Um Gato na Janela
(Van den Eycken: 1859-1923)

O Gato
(A Léon Cladel)

Compreendo que o gato haja impressionado Baudelaire
Por seu ser mágico no qual se encarna a esfinge;
Pelo charme mimoso do resplendor tão claro
Que escapa em longos raios de seus dois olhos de lince,
Compreendo que o gato haja impressionado Baudelaire.

Mulher, serpente, pomba e símia pela graça,
Ele ondula, arqueia-se e resiste aos dedos letargos;
E quando seu pelo protege uma gorda carne,
É a beleza plástica em vestido de veludo:
Mulher, serpente, pomba e símia pela graça.

Vivendo na penumbra e no silêncio austero
Onde ronca seu tédio como uma mortalha encantada,
Sua companhia leva ao homem solitário
O bálsamo consolador da mística
Vivendo na penumbra e no silêncio austero.

Volta à volta triste a alegre, sonolento e folgazão,
És bem a alma da morada onde me mantenho confinado;
Da mesa ao armário e da poltrona à lareira,
Ele vagueia, sem macular o objeto em que roçou,
Volta à volta triste a alegre, sonolento e folgazão.

Sobre a escrivaninha coberta de manchas de tinta azul
Onde livros e cadernos repousam abertos ou fechados,
Ele passa como um sopro, aflorando de sua cauda
A folha onde meus pensamentos alumiam seus faróis,
Sobre a escrivaninha coberta de manchas de tinta azul.

Quando ele molha sua pata com a língua rosa
Para lustrar seu torso e o rostinho tão doce,
Ele me pisca o olho fazendo uma pausa,
E eu gostaria sempre de tê-lo sobre meus joelhos
Quando ele molha sua pata com a língua rosa.

Sentado calorosamente nos tempos escuros de dezembro
Diante do fogo que flameja, ardente como um inferno,
Será que ele pensa nos ratos dos quais livra meu quarto
Com suas presas de nácar e suas garras de ferro?
Não! Senta-se diante da lareira nos tempos escuros de dezembro.

Entre os velhos suportes que mais parecem duas freiras
Em vista da face bizarra, das tetas monstruosas,
Ele sonha com a angorá, sedutora das sedutoras,
Que ele bem gostaria de ter, a bela voluptuosa,
Entre os velhos suportes que mais parecem duas freiras.

Ele se diz que no verão, pelos bons clarões da lua,
Possuía a sua gata em seus membros peludos;
E que hoje em dia, durante a temporada fria e escura,
Há de se lamentar do amor que não mais renascerá
Até o próximo verão, pelos bons clarões da lua.

Sua luxúria se aguça com os gemidos da alcova,
E quando nos encontramos outra vez cheios de desejo,
Ele nos atira um olhar ciumento e quase selvagem,
Pois enquanto nossos corpos se embriagam de prazer,
Sua luxúria se aguça com os gemidos da alcova.

Quando por fim ele salta sobre a colcha entreaberta,
Como que para recolher um pouco de volúpia,
A paixão reluz em sua pupila verde:
Revelando em sua beleza brandura e lascívia
Quando por fim ele salta sobre a colcha entreaberta.

Para aspirar os perfumes exalados por minha amante,
No vazio onde seu corpo fremiu em meus braços,
Ele rola feito bola, e sua cabeça com encanto
Gira da direita à esquerda farejando os dois lençóis,
Para aspirar os perfumes exalados por minha amante.

Então ele se lambe, ele ronrona e mia,
E quando fica inebriado com o aroma do amor,
Estira-se a bocejar com um ar tão engraçado,
Que diria que vai aturdir e desmaiar;
Então ele se lambe, ele ronrona e mia.

Seu passado ressuscita, ele revê seus beirais
Onde, gato aliciador e sempre triunfante,
Diverte-se em rastrear durante noites inteiras
As gatas que ele seduz com seus gritos infantis:
Seu passado ressuscita, ele revê seus beirais.

Pantera da chaminé, tigre em miniatura,
Tu me contentas pelo teu vagar e amenidade,
E sou teu amigo, pois nenhuma criatura
Compreendeu melhor que tu minha obscura estranheza,
Pantera da chaminé, tigre em miniatura.

Referência:

ROLLINAT, Maurice. Les luxures: le chat. In: __________. Les névroses. Paris (FR): G. Charpentier et Cie., 1885. p. 103-106.
ö

Nenhum comentário:

Postar um comentário