Selecionei este belo poema do Nobel
de 1958, o russo Boris Pasternak (1890-1960),
para fazer as vezes de “postagem do dia”, ele que conquistou o aludido prêmio,
por “suas realizações tanto no âmbito da poesia lírica contemporânea, quanto no
campo da grande tradição épica russa”.
“Hamlet”, como se sabe, é um personagem inolvidável na dramaturgia de
Shakespeare, e o seu “obstinado desígnio”, pautado pelo desejo tresloucado de
vingar a morte infame do pai, já rendeu miríades de páginas de comentos,
inclusive de um contemporâneo de Pasternak: o bielorruso Lev Vygotsky
(1896-1934).
Vygotsky, bem mais conhecido por estas plagas por suas contribuições ao domínio
da linguagem e da aprendizagem, escreveu uma das obras seminais sobre a peça de
que se trata: “A Tragédia de Hamlet – Príncipe da Dinamarca”, já traduzida ao
português, e lançada no mercado pátrio pela editora Martins Fontes.
E como falar de Hamlet é incorrer numa galáxia de metadiscursos que,
quase certamente, não agregará valor à nebulosa de reflexões, pertinentes e
impertinentes, que gira à volta da peça do bardo, preferimos ir mesmo direto ao
poema que lhe dedicou o afamado russo, razão primeira pela qual criamos esta
inserção.
J.A.R. – H.C.
Hamlet e Horácio no Cemitério
(Eugène Delacroix –
1859)
Гул затих. Я вышел на подмостки.
Прислонясь к дверному косяку,
Я ловлю в далеком отголоске,
Что случится на моем веку.
На меня наставлен сумрак ночи
Тысячью биноклей на оси.
Если только можно, Aвва Oтче,
Чашу эту мимо пронеси.
Я люблю Твой замысел упрямый
И играть согласен эту роль.
Но сейчас идет другая драма,
И на этот раз меня уволь.
Но продуман распорядок действий,
И неотвратим конец пути.
Я один, все тонет в фарисействе.
Жизнь прожить — не поле перейти.
Hamlet
(William Morris Hunt
– 1864)
Hamlet
The murmurs ebb; onto the stage I enter.
I am trying, standing in the door,
To discover in the distant echoes
What the coming years may hold in store.
The nocturnal darkness with a thousand
Binoculars is focused onto me.
Take away this cup, O Abba, Father,
Everything is possible to thee.
I am fond of this thy stubborn project,
And to play my part I am content.
But another drama is in progress,
And, this once, O let me be exempt.
But the plan of action is determined,
And the end irrevocably sealed.
I am alone; all round me drowns in falsehood:
Life is not a walk across a field.
Master Betty (1791-1874) como Hamlet
(James Northcote – 1805)
Hamlet
O murmúrio reflui.
Adentro o palco.
Apoiado no batente da
porta,
Capto num eco
distante,
O que há de acontecer
em minha vida.
A noite escura lança
sobre mim
milhares de binóculos
à queima-roupa.
Se possível, Abba
Pai,
Afasta de mim esse
cálice.
Encanta-me esse teu
obstinado desígnio
E aceito representar
esse papel.
Porém agora um outro
drama está em curso,
E desta vez rogo-te
que me dispenses.
Contudo a sequência
de atos já está fixada,
E o fim do caminho é
inelutável.
Sozinho estou, tudo
submerge em hipocrisia.
A vida é para viver –
não como um passeio no campo.
Referência:
PASTERNAK, Boris. Hamlet. Translated into English by Lydia Pasternak
Slater. In: __________. Poems.
Classic Poetry Series. Publisher: PoemHunter.com. The World's Poetry Archive,
2012. Disponível neste
endereço. Acesso em: 11 nov 2014. p. 52.
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