Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 23 de novembro de 2014

Luis G. Montero – A Pressa das Ideias

García Montero, poeta e ensaísta espanhol, recita, como se vê no vídeo aqui referenciado, o seu belo poema em epígrafe. Notoriamente, reporta-se ele à ditadura da urgência: tudo em execução para ontem, sem tempo para reflexões sobre o sedimento deixado pela passagem das horas!

Tudo tem de ser rápido e com a máxima eficiência, qual uma premissa que denota a sua precedência em relação a qualquer outra. Se duvidar, se empregarmos a própria imagem de que Montero se vale, uma azáfama para trasladar ao fundo do mar o bem mais precioso, o sol, elemento e metáfora irredutível da vida. E que venham mais vidas para serem, literalmente, consumidas no turbilhão destrutivo desse ‘modus vivendi’ irrazoável.

Contra ele, o poeta retorna ao estado primevo representado pelo imediato contato com a natureza, aquela que, no instante zero de sua existência,  concedeu-lhe ‘anima’, o mesmo elemento constitutivo que ele reproduz em suas poesias. Para o bem dos que percebem a urgência de sua mensagem! 

J.A.R. – H.C. 
Garcia Montero
(n. 1958 – Granada)

El dogmatismo es la prisa de las ideas

Aquí junto a las dunas y los pinos,
mientras la tarde cae
en esta hora larga de belleza en el cielo
y hago mío sin prisa
el rojo libre de la luz,
pienso que soy el dueño del minuto que falta
para que el sol repose bajo el mar.

Esa es mi razón, mi patrimonio,
después de tanta orilla
y de tanto horizonte,
ser el dueño del último minuto,
del minuto que falta para decir que sí,
para decir que no,
para llegar después al otro lado
de todo lo que afirmo y lo que niego.

Esa es mi razón
contra las frases hechas y el mañana,
mientras la tarde cae por amor a la vida,
y nada es por supuesto ni absoluto,
y el agua que deshace los periódicos
arrastra las palabras como peces de plata,
como espuma de ola
que sube y se matiza
dentro del corazón.

Aquí junto a las dunas y los pinos,
capitán de los barcos que cruzan mi mirada,
prometo no olvidar las cosas que me importan.

Tiempo para ser dueño del minuto que falta.
Pido el tiempo que roban las consignas
porque la prisa va con pies de plomo
y no deja pensar,
oír el canto de los mirlos,
sentir la piel,
ese único dogma del abrazo,
mi única razón, mi patrimonio. 

O coelho apressado de
“Alice no País das Maravilhas
(Lewis Carroll)

O dogmatismo é a pressa das ideias

Aqui junto às dunas e pinheiros,
enquanto a tarde cai
nesta longa hora de beleza no céu
e faço meu sem pressa
o vermelho livre da luz,
penso que sou o dono do minuto que falta
para que o sol repouse sob o mar.

Essa é a minha razão, meu patrimônio,
depois de tanta margem
e de tanto horizonte,
ser o dono do último minuto,
do minuto que falta para dizer que sim,
para dizer que não,
para chegar depois ao outro lado
de tudo o que afirmo e que nego.

Essa é minha razão
contra as frases prontas e o amanhã
enquanto a tarde cai por amor à vida,
e nada é inconteste nem absoluto,
e a água que desfaz os jornais
arrasta as palavras como peixes de prata,
como a espuma da onda
que sobe e se matiza
dentro do coração.

Aqui junto às dunas e os pinheiros,
capitão dos barcos que cruzam o meu olhar,
prometo não esquecer as coisas que me importam.

Tempo para ser dono do minuto que falta.
Peço o tempo que as instruções subtraem
porque a pressa vai com pés de chumbo
e não deixa pensar,
ouvir o canto dos melros,
sentir a pele,
esse único dogma do abraço,
minha única razão, meu patrimônio.

Referência:

MONTERO, Luis García. El dogmatismo es la prisa de las ideas. In: __________. Un invierno propio. Madrid (ES): Visor, 2011. Disponível neste endereço. Acesso em: 19 nov 2014.

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