García Montero, poeta e ensaísta espanhol, recita, como se vê no vídeo aqui referenciado, o seu belo poema em epígrafe. Notoriamente, reporta-se ele à ditadura
da urgência: tudo em execução para ontem, sem tempo para reflexões sobre o
sedimento deixado pela passagem das horas!
Tudo tem de ser rápido e com a máxima eficiência, qual uma premissa que denota
a sua precedência em relação a qualquer outra. Se duvidar, se empregarmos a
própria imagem de que Montero se vale, uma azáfama para trasladar ao fundo do
mar o bem mais precioso, o sol, elemento e metáfora irredutível da vida. E que
venham mais vidas para serem, literalmente, consumidas no turbilhão destrutivo
desse ‘modus vivendi’ irrazoável.
Contra ele, o poeta retorna ao estado primevo representado pelo imediato contato com a natureza, aquela que, no instante zero de sua existência, concedeu-lhe ‘anima’, o mesmo elemento
constitutivo que ele reproduz em suas poesias. Para o bem dos que percebem a
urgência de sua mensagem!
J.A.R. – H.C.
Garcia Montero
(n. 1958 – Granada)
El dogmatismo es la prisa de las ideas
Aquí junto a las
dunas y los pinos,
mientras la tarde cae
en esta hora larga de
belleza en el cielo
y hago mío sin prisa
el rojo libre de la
luz,
pienso que soy el
dueño del minuto que falta
para que el sol
repose bajo el mar.
Esa es mi razón, mi
patrimonio,
después de tanta
orilla
y de tanto horizonte,
ser el dueño del
último minuto,
del minuto que falta
para decir que sí,
para decir que no,
para llegar después al
otro lado
de todo lo que afirmo
y lo que niego.
Esa es mi razón
contra las frases
hechas y el mañana,
mientras la tarde cae
por amor a la vida,
y nada es por
supuesto ni absoluto,
y el agua que deshace
los periódicos
arrastra las palabras
como peces de plata,
como espuma de ola
que sube y se matiza
dentro del corazón.
Aquí junto a las
dunas y los pinos,
capitán de los barcos
que cruzan mi mirada,
prometo no olvidar
las cosas que me importan.
Tiempo para ser dueño
del minuto que falta.
Pido el tiempo que
roban las consignas
porque la prisa va
con pies de plomo
y no deja pensar,
oír el canto de los
mirlos,
sentir la piel,
ese único dogma del
abrazo,
mi única razón, mi
patrimonio.
O coelho apressado de
“Alice no País das Maravilhas”
(Lewis Carroll)
O dogmatismo é a pressa das ideias
Aqui junto às dunas e
pinheiros,
enquanto a tarde cai
nesta longa hora de
beleza no céu
e faço meu sem pressa
o vermelho livre da
luz,
penso que sou o dono
do minuto que falta
para que o sol
repouse sob o mar.
Essa é a minha razão,
meu patrimônio,
depois de tanta
margem
e de tanto horizonte,
ser o dono do último
minuto,
do minuto que falta
para dizer que sim,
para dizer que não,
para chegar depois ao
outro lado
de tudo o que afirmo
e que nego.
Essa é minha razão
contra as frases prontas
e o amanhã
enquanto a tarde cai
por amor à vida,
e nada é inconteste
nem absoluto,
e a água que desfaz
os jornais
arrasta as palavras
como peixes de prata,
como a espuma da onda
que sobe e se matiza
dentro do coração.
Aqui junto às dunas e
os pinheiros,
capitão dos barcos
que cruzam o meu olhar,
prometo não esquecer
as coisas que me importam.
Tempo para ser dono
do minuto que falta.
Peço o tempo que as instruções subtraem
porque a pressa vai
com pés de chumbo
e não deixa pensar,
ouvir o canto dos
melros,
sentir a pele,
esse único dogma do
abraço,
minha única razão,
meu patrimônio.
Referência:
MONTERO, Luis García. El dogmatismo es
la prisa de las ideas. In: __________. Un
invierno propio. Madrid (ES): Visor, 2011. Disponível neste
endereço. Acesso em: 19 nov 2014.
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