Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

G. K. Chesterton - Os Reis Magos

Chesterton nos desperta para o fato de que, no mais das vezes, nos tornamos insensíveis à história do Natal, incapazes de nos maravilhar com esse evento ímpar, em face do ceticismo em relação aos fatos narrados nas Escrituras, porque somos mais “sábios” que tudo, conhecendo o que quer que seja, mas como sublinha o autor inglês – “menos a verdade”!

O poema, com um discurso que sai dos lábios dos três reis magos que acorreram a Cristo, revela identidade com cada pessoa hábil a dissertar com rematada erudição, descartando quaisquer relatos que extrapolem as hipóteses assentes em provas lógicas ou materiais: é o embate entre “Fides et Ratio”, ou, como nas palavras de João Paulo II, “as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.

J.A.R. – H.C.

G. K. Chesterton

(1874-1936)

 

The Wise Men

 

Step softly, under snow or rain,

To find the place where men can pray;

The way is all so very plain

That we may lose the way.

 

Oh, we have learnt to peer and pore

On tortured puzzles from our youth,

We know all the labyrinthine lore,

We are the three wise men of yore,

And we know all things but truth.

 

We have gone round and round the hill

And lost the wood among the trees,

And learnt long names for every ill,

And serve the mad gods, naming still

The furies the Eumenides.

 

The gods of violence took the veil

Of vision and philosophy,

The Serpent that brought all men bale,

He bites his own accursed tail,

And calls himself Eternity.

 

Go humbly... it has hailed and snowed...

With voices low and lanterns lit;

So very simple is the road,

That we may stray from it.

 

The world grows terrible and white,

And blinding white the breaking day;

We walk bewildered in the light,

For something is too large for sight,

And something much too plain to say.

 

The Child that was ere worlds begun

(...We need but walk a little way,

We need but see a latch undone...)

The Child that played with moon and sun

Is playing with a little hay.

 

The house from which the heavens are fed,

The old strange house that is our own,

Where trick of words are never said,

And Mercy is as plain as bread,

And Honour is as hard as stone.

 

Go humbly, humble are the skies,

And low and large and fierce the Star;

So very near the Manger lies

That we may travel far.

 

Hark! Laughter like a lion wakes

To roar to the resounding plain.

And the whole heaven shouts and shakes,

For God Himself is born again,

And we are little children walking

Through the snow and rain.

 

Os Magos

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

Os Reis Magos

 

Andamos suavemente, sob neve ou chuva,

Em busca de lugar onde os homens possam orar;

Todo o caminho é de tal modo aplainado

Que poderíamos dele nos extraviar.

 

Oh, nós aprendemos a perscrutar e a nos debruçar

Sobre tormentosos enigmas desde nossa juventude;

Temos ciência de todas as labirínticas narrativas,

Somos os três sábios de outros tempos

E, exceto a verdade, conhecemos todas as coisas.

 

Estivemos a girar em círculos pela colina

E, entre as árvores, perdemos a vista do bosque;

Aprendemos longos nomes para cada moléstia

E servimos aos deuses dementes; às fúrias,

De mais a mais, nomeamo-las Eumênides.

 

Os deuses da violência levantaram o véu

Da imaginação e da filosofia.

A serpente, que trouxe fardos à humanidade,

Morde a sua própria cauda amaldiçoada

E chama a si mesma Eternidade.

 

Humildemente vamos... Sob granizo e neve...

Com vozes tênues e lanternas acesas;

De tal modo a trilha é acessível,

Que poderíamos dela nos desviar.

 

O mundo se torna branco e terrível,

E de um branco ofuscante ao romper do dia;

Envoltos na luz, desnorteados, caminhamos

Por algo demasiado grande para ser visto

E algo por demais claro para ser descrito.

 

A criança que existia antes de surgirem os mundos

(...Precisamos caminhar só um pouco mais,

Carecemos de ver apenas um trinco destravado...)

A criança que brincava com a lua e o sol

Agora brinca com um pouco de feno.

 

Na casa da qual os céus se alimentam,

Essa antiga e estranha casa que é a nossa,

Palavras enganosas jamais são pronunciadas,

E a Misericórdia é tão simples quanto o pão

E tão dura a honra quanto a pedra.

 

Humildemente vamos, humildes são os céus,

E baixa e imensa e intensa a Estrela;

Da Manjedoura assim tão perto estamos,

Nós que nos deslocamos de tão longe.

 

Escutai! Feito um leão, o riso desperta

Para rugir à ressonante planície.

E o céu inteiro grita e estremece,

Porque o próprio Deus de novo nasceu,

E somos pequenas crianças a caminhar

Através da neve e da chuva.


Referência:

CHESTERTON, G. K. The wise men. In: __________. The collected poems of G. K. Chesterton. New York, NY: Dodd, Mead & Company, 1961. p. 127-129.

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