No verso e reverso de lutas e afagos o poeta lança invectivas ao ano que se inicia, porque, nele, os dias sucedem sempre a oscilar numa inconstância de apegos e de encargos, caras ou coroas, numa aflitiva falta de equilíbrio − em face da qual o falante nada mais pode expectar de que venha a termo com os louros do êxito ou da vitória.
Há aqueles que nesse jogo binário sempre achem que o lado errado é o que se lhe vai dar em conta, ou ainda, que na queda da banda do pão ao chão, o lado com a manteiga é o que invariavelmente beijará o solo. Mas tamanho pessimismo não torna as coisas mais ponderadas: afinal, o evento que encerra a tendência mediana é o que sobrevirá com maior probabilidade – e nem tudo é o desastre total, tampouco um completo “mar de brigadeiro”. Talvez um pouco de serenidade, à moda dos estoicos, seja a chave!
J.A.R. – H.C.
Marcos Konder Reis
(1922-2001)
Cara ou Coroa no Ano Novo
Abro a tua cara,
Ó Ano Novo,
Na alma ignara
Do meu povo,
Como a quentura
De um tapa, ou como
A alta ternura
De um noivo. E o gomo
Da minha incauta
Anestesia
Seja uma flauta
No sul de um dia
Posta a encantá-los,
Mas se ele, insano,
Do amor que falo
Sorver o engano,
Que vibre um galo
(Soco nas ventas)
E em vez de armá-lo,
Arme as tormentas
Por sobre a campa
Em que se deita,
Para que a estampa
Dos calendários
Erga em dezembro
(Que o tempo voa!)
No fim dos páreos
A tua coroa.
Feliz Ano Novo!
(Olga Vorobyova: pintora russa)
Referência:
REIS,
Marcos Konder. Cara ou coroa no ano novo. In: __________. Antologia poética.
Rio de Janeiro, GB: Editora Leitura, 1971. p. 160.
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