Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Vicente Gerbasi - Tabuleiro de Xadrez

Em relação direta com representações pictóricas – neste caso, Gerbasi menciona o italiano Chirico explicitamente –, há neste poema do autor venezuelano associações que trasladam o leitor aos festins de entrudo ou, talvez melhor, aos bailes de máscaras em uma cidade qualquer – que bem poderia ser Veneza, com suas fantasias a disfarçar a nobreza.

Há, também, laivos de violência, mesmo que oblíquos, quando o poeta recorre a palavras como “decapitados” ou “talhos” (mas ainda “carnificinas” ou “morticínios”), a lembrar-nos da relação funesta entre a nobreza e as ceifas por guilhotina no curso da Revolução em França, país a que muito se associa, por outro lado, a combinação “vermelhos e negros”, por força da célebre obra de Stendhal.

Nos versos finais, a conexão com a pintura que acompanha esta postagem é indisfarçável. Em suma: trata-se de um poema que imerge o leitor nos dilemas de um jogo como o xadrez, fazendo-o percorrer trilhas labirínticas de onde jamais sairá com uma convicção formada sobre o real sentido das sentenças que erigem os seus muros. Quiçá fosse mesmo esse o efeito final tencionado por Gerbasi!

J.A.R. – H.C.

Vicente Gerbasi

(1913-1992)

 

Tablero de Ajedrez

 

La plaza tiene una soledad de cuadro de Chirico:

silencio de la memoria que va hasta una lejanía arcada.

Con una delgada nube en el horizonte,

las campanas iluminan la ciudad.

Caballos,

torres,

reinas,

en el aire de los árboles que florecen en las calles.

Pasaron los festejos de las máscaras,

y los barrenderos reunieron colores

en los rincones de la madrugada.

Los barrenderos, sombras herméticas

que acumulan nieve en lejanos inviernos urbanos,

al borde de las carnicerías iluminadas.

Pasaron los festejos

y la plaza abandonada reluce en sus mármoles

rojos y negros.

Un rey de larga túnica

contempla el silencioso espacio

donde un día fueron decapitados los años.


En: “Por Arte del Sol” (1958)

 

O Enigma da Chegada

(Giorgio de Chirico: pintor italiano)

 

Tabuleiro de Xadrez

 

A praça tem uma solidão de quadro de Chirico:

silêncio da memória que vai até uma arcada distante.

Sob uma nuvem fina no horizonte,

os sinos iluminam a cidade.

Cavalos,

torres,

rainhas,

no ar das árvores que florescem nas ruas.

Passaram os festejos das máscaras,

e os varredores recolheram cores

nas esquinas da madrugada.

Os varredores, sombras herméticas

que acumulam neve em invernos urbanos distantes,

à beira dos açougues iluminados.

Passaram os festejos

e a praça abandonada reluz em seus mármores

vermelhos e negros.

Um rei de longa túnica

contempla o silencioso espaço

onde um dia os anos foram decapitados.


Em: “Por Arte do Sol” (1958)


Referência:

GERBASI, Vicente. Tablero de ajedrez. In: __________. Obra poética. Prólogo de Francisco Pérez Perdomo. Cronología y bibliografía por Eli Galindo. Caracas, VE: Ayacucho, jul. 1986. p. 170. (‘Biblioteca Ayacucho’; v. 122)

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