O casal não teve filhos, embora o esposo quisesse, mas não a esposa e, então, esta, investida no posto de voz lírica do poema, apresenta-nos reflexões sobre o tema, agora que falecido o consorte: o filho não havido transmutou-se na dor do sofrimento, nas memórias que perduram, tecidas e retecidas, e num quadro de insônias.
Um filho representa a continuidade da vida, como também a aspiração de que não sejamos olvidados com o correr do tempo. E é à luz dessa segunda perspectiva que a poetisa deixa gravados em versos, ao correr da pena – e para toda a eternidade –, o modo de ser do falecido amado, para que o mundo conheça da realização de seus “mais vastos desejos”.
J.A.R. – H.C.
Lya Luft
(n. 1938)
Nunca tivemos filhos juntos
Nunca tivemos filhos juntos, e ele reclamava:
“Nosso amor merecia um filho ao menos.”
Nosso filho é a minha dor de hoje,
é a fulguração que nos deixava tontos,
é o novelo da memória que teço e reteço
nas minhas insônias.
Nosso filho é o meu tempo de agora
para falar do meu amado:
da sua força e sua fragilidade,
da sua indignação e seus prantos,
de sua necessidade de ser amado e aceito
como finalmente deve estar sendo, por inteiro,
na realização de todos os seus vastos desejos.
Pai e Filho
(Andre Kohn: pintor russo)
Referência:
LUFT, Lya. Nunca tivemos filhos juntos.
In: __________. O lado fatal. 5. ed. São Paulo, SP: Siciliano, 1993. p. 53.
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