Larkin discorre sobre a sua amarga consternação ao visitar, em fins de 1940, a cidade de Coventry (EN), onde nascera, bombardeada pelos nazistas nos dias 14 e 15 de novembro daquele ano – em razão de ali encontrar-se instalado o parque de apoio tecnológico à força aérea britânica –, ataque esse que provocou sérios danos à sua histórica catedral, impossibilitando-a de fazer soar os seus carrilhões nas festas do final daquele ano.
Alguns versos do poema evocam pessoas que já se foram e momentos pelos quais estas passaram, lançando, à contraluz, expedientes sobre o mundo dos vivos, suas necessidades tangíveis e espirituais, em uma manifesta conjuntura de crise. Como resultado, o tom que emana de suas linhas pareceu-me algo desesperançado – a despeito do íntegro vocativo que encerra a sua derradeira estrofe.
J.A.R. – H.C.
Philip Larkin
(1922-1985)
New Year Poem
The short afternoon ends, and the year is over;
Above trees at the end of the garden the sky is
unchanged,
An endless sky; and the wet streets, as ever,
Between standing houses are empty and unchallenged.
From roads where men go home I walk apart
– The buses bearing their loads away from works,
Through the dusk the bicycles coming home from
bricks –
There evening like a derelict lorry is alone and
mute.
These houses are deserted, felt over smashed
windows,
No milk on the step, a note pinned to the door
Telling of departure: only shadows
Move when in the day the sun is seen for an hour,
Yet to me this decaying landscape has its uses:
To make me remember, who am always inclined to
forget,
That there is always a changing at the root,
And a real world in which time really passes.
For even together, outside this shattered city
And its obvious message, if we had lived in that
peace
Where the enormous years pass over lightly
– Yes, even there, if I looked into your face
Expecting a word or a laugh on the old conditions,
It would not be a friend who met my eye,
Only a stranger would smile and turn away,
Not one of the two who first performed these
actions.
For sometimes it is shown to me in dreams
The Eden that all wish to recreate
Out of their living, from their favourite times;
The miraculous play where all the dead take part,
Once more articulate; or the distant ones
They will never forget because of an autumn talk
By a railway, an occasional glimpse in a public
park,
Any memory for the most part depending on chance.
And seeing this through that I know to be wrong,
Knowing by the flower the root that seemed so
harmless
Dangerous; and all must take their warning
From those brief dreams of unsuccessful charms,
Their aloof visions of delight, where Desire
And Fear work hand-in-glove like medicals
To produce the same results. The bells
That we used to await will not be rung this year.
So it is better to sleep and leave the bottle
unopened;
Tomorrow in the offices the year on the stamps will
be altered;
Tomorrow new diaries consulted, new calendars
stand;
With such small adjustments life will again move
forward
Implicating us all; and the voice of the living be
heard:
“It is to us that you should turn your straying
attention;
Us who need you, and are affected by your fortune;
Us you should love and to whom you should give your
word.”
31 December 1940
Sem Título
(Elena Lobova: pintora russa)
Poema de Ano Novo
Termina a breve tarde e o ano se acaba;
Acima das árvores, ao final do jardim, não se
alterou o céu,
Um céu infinito; e as ruas molhadas, como sempre,
Vazias e indisputadas estão, entre casas sem vida.
Ando ao largo de vias por onde os homens retornam a
casa
– Os coletivos a levar suas cargas para longe das
obras,
As bicicletas, ao crepúsculo, regressando ao lar de
tijolos –
Ali onde, qual caminhão sem dono, a noite paira, só
e muda.
Estas casas estão desabitadas, sente-se pelas
janelas fendidas,
Sem leite nos degraus, uma nota fixada na porta
A dar conta da partida: apenas as sombras
Se movem quando, de dia, vê-se o sol por uma hora.
No entanto, para mim, essa paisagem tem seus usos:
Para fazer-me recordar que sempre me inclino a
esquecer,
Que há sempre uma mudança nos fundamentos,
E um mundo real no qual o tempo efetivamente passa.
Pois mesmo juntos, fora desta cidade destroçada
E sua óbvia mensagem, se houvéssemos vivido naquela
paz
Em que os vastos anos transcorrem suavemente
– Sim, mesmo ali, se olhasse em teu rosto
À espera de uma palavra ou sorriso sob as velhas
condições,
Não seria um amigo que encontraria meus olhos,
Senão um estranho que sorriria e logo se afastaria,
Não um dos dois envolvidos, a princípio, na trama.
Pois às vezes se me revela em sonhos
O Éden a que todos aspiram recriar
A partir de suas vidas, de seus momentos favoritos;
A miraculosa peça em que todos os mortos tomam
parte,
Loquazes uma vez mais; ou os que se põem distantes,
a não serem
Jamais esquecidos em razão de uma conversa outonal
Perto de uma ferrovia, um ocasional vislumbre num
parque público,
Qualquer lembrança, muito mais a depender do acaso.
E vendo isto por meio daquilo, reconheço estar
equivocado,
Discernindo, pela flor, a raiz perigosa que tão
inofensiva
Parecia; e todos devem receber a sua advertência
Daqueles breves sonhos de encantos malsucedidos,
Suas reservadas visões de deleite, nas quais o
Desejo
E o Medo trabalham conjuntamente como médicos,
Para produzirem os mesmos resultados. Neste ano,
Os sinos, por que tanto esperávamos, não serão
tocados.
Assim, é melhor pôr-nos a dormir e deixar sem abrir
a botelha;
Amanhã, nos escritórios, o ano nos carimbos será
alterado;
Amanhã, novos diários a consultar, novos
calendários no suporte;
Com tais pequenos ajustes, a vida voltará a avançar,
Implicando-nos a todos; e se ouvirá a voz dos vivos:
“É em nós que deves focar tua extraviada atenção;
Nós, que de ti necessitamos e somos afetados por teu
fado;
Nós, a quem deves dedicar teu amor e outorgar tua palavra”.
31 de Dezembro de 1940
Referência:
LARKIN,
Philip. New year poem. In: HOLLANDER, John; McCLATCHY, J. D. (Sel. & Ed.). Christmas
poems. New York, NY: Alfred A. Knopf, 1999. p. 236-238. (‘Everyman’s
Library: Pocket Poets’)
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