A memória lírica de um primeiro amor – “as primeiras flores” – ressoa nestes versos nostálgicos de Verlaine, lembrança de um momento feliz revivido, mas já sem chances de restauro, tanto mais que submerso em algum viés platônico: sensações e sentimentos são esmeradamente plasmados em linhas que, no original, irrompem pejadas de musicalidade.
Há algo no soneto que leva a mente a escapar para outra modalidade de apreensão artística, explico-me melhor, como se o autor estivesse a conceber uma pintura, não categoricamente impressionista, cujo fundo retratasse um casal em andanças, exposto à luz mortiça do outono – como na reprodução abaixo, de Vincent van Gogh, a acompanhar o poema.
J.A.R. – H.C.
Paul Verlaine
(1844-1896)
Never More
Souvenir, souvenir, que me veux-tu? L’automne
faisait voler la grive à travers l’air atone,
et le soleil dardait un rayon monotone
sur le bois jaunissant où la bise détone.
Nous étions seul à seule et marchions en rêvant,
elle et moi, les cheveux et la pensée au vent.
Soudain, tournant vers moi son regard émouvant
“Quel fut ton plus beau jour?” fit sa voix d’or
vivant,
sa voix douce et sonore, au frais timbre angélique.
Un sourire discret lui donna la réplique,
et je baisai sa main blanche, dévotement.
− Ah! les premières fleurs, qu’elles sont
parfumées!
Et qu’il bruit avec un murmure charmant
le premier oui qui sort de lèvres bien-aimées!
Vegetação rasteira com duas figuras
(Vincent van Gogh: pintor holandês)
Nunca Mais
Saudade, que de mim desejas? Pelo espaço
fazia o outono voar ao tordo, e um raio baço
lançava o sol no bosque amarelento e lasso,
em cujos ramos freme o norte num trespasso.
Estávamos a sós... Seguíamos sonhando,
eu e ela, ao vento a ideia e os cabelos em bando.
Súbito, seu olhar comovente voltando:
“Qual teu dia, mais belo?” Era o som adorando
de sua voz divina e harmoniosa de afeto.
A resposta floriu, num sorriso discreto,
e lhe beijei a mão branca, devotamente.
Ah! os primeiros rosais, como são perfumados!
E como canta, num murmúrio resplendente,
o virgem “sim” que sai de uns lábios bem-amados...
Porto Alegre - 1926
Referência:
VERLAINE, Paul. Never more / Nunca
mais. Tradução de Silvestre Péricles de Góes Monteiro. In: PÉRICLES, Silvestre.
No tempo das rimas. Prefácio de Menotti Del Picchia. 3. ed. aumentada.
Rio de Janeiro, RJ: Editora Pongetti, 1965. Em francês: p. 101-102; em
português: p. 99-100.
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