Tudo se passa como se o poeta estivesse a dispor harmoniosamente, num quadro, os elementos constituintes do afeto por sua amada, exprimindo-se numa linguagem plena de referentes sensuais ou eróticos, no exato instante em que esmaecida a cordura.
Em meio à graça das imagens empregadas, Gancho lança mão de alguma iconoclastia verbal para sobrepor distintas camadas de significados, até que sobrevenha o clímax de um orgasmo: trata-se, decerto, de um desejo não realizado, a projetar, sob as vestes de sua Dulcineia, cenários capazes de revolver o fogo ardente do amor carnal.
J.A.R. – H.C.
António Gancho
(1940-2005)
Sintaxe
Aonde a planície já não tiver um sentido
e os campos forem já só o horizonte
aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido
e sobre ti a minha fronte.
Por te sobre os joelhos uma flor rubra
por te no lugar das pernas o mais amor que me
houver
aí onde a flor deixa o pólen
aí o sémen mulher.
Por te sobre o sémen o gemido do teu acto
por te sobre o gemido
a planície sem sentido
aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido
por te sobre as pernas me dilato.
O amor é cego
(Olumide Egunlae: pintora gambiana)
Referência:
GANCHO, António. Sintaxe. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção,
organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da
poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1.
ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1789.
Nenhum comentário:
Postar um comentário