Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

António Gancho - Sintaxe

Tudo se passa como se o poeta estivesse a dispor harmoniosamente, num quadro, os elementos constituintes do afeto por sua amada, exprimindo-se numa linguagem plena de referentes sensuais ou eróticos, no exato instante em que esmaecida a cordura.

Em meio à graça das imagens empregadas, Gancho lança mão de alguma iconoclastia verbal para sobrepor distintas camadas de significados, até que sobrevenha o clímax de um orgasmo: trata-se, decerto, de um desejo não realizado, a projetar, sob as vestes de sua Dulcineia, cenários capazes de revolver o fogo ardente do amor carnal.

J.A.R. – H.C.

 

António Gancho

(1940-2005)

 

Sintaxe

 

Aonde a planície já não tiver um sentido

e os campos forem já só o horizonte

aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido

e sobre ti a minha fronte.

Por te sobre os joelhos uma flor rubra

por te no lugar das pernas o mais amor que me houver

aí onde a flor deixa o pólen

aí o sémen mulher.

Por te sobre o sémen o gemido do teu acto

por te sobre o gemido

a planície sem sentido

aí o teu vestido há-de ser cor esmaecido

por te sobre as pernas me dilato.

 

O amor é cego

(Olumide Egunlae: pintora gambiana)


Referência:

GANCHO, António. Sintaxe. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1789.

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