Seguindo nas ideias veiculadas pelos estoicos – haja vista o poema ontem aqui postado –, apresento, abaixo, uma seleta de algumas meditações do imperador Marco Aurélio, a veicularem o sentido de mantença de um espírito inquebrantável perante as vicissitudes da vida, sem medo de que a morte sobrevenha hoje, amanhã ou mais além, pois que as ações de um lídimo estoico já devem pressupor que possa expirar a qualquer momento, razão pela qual conduz-se sempre sob a prevalência das medidas prioritárias, sem procrastinação.
Perceberá o internauta que alguns dos infratranscritos pensamentos assemelham-se a preleções do Eclesiastes, sobretudo os que enfatizam a efemeridade do quanto se passa no mundo, a atingir tanto sujeitos ou fatos transatos, quanto aqueles que os rememoram, pois a seta letal do tempo jamais flui em sentido reverso, vindo a atingir, semelhantemente, estes últimos.
J.A.R. – H.C.
(121 d.C. - 180 d.C.)
1. Previne a ti mesmo
ao amanhecer: “Vou encontrar um intrometido, um mal-agradecido, um insolente,
um astucioso, um invejoso, um avaro”.
Eles devem todos
esses vícios à ignorância do bem e do mal. Eu, porém, que observei ser o belo a
natureza do bem e a vergonha a do mal, bem como consistir a natureza do próprio
pecador em seu parentesco comigo, não em razão do mesmo sangue ou da mesma
semente, mas por ter parte na inteligência e numa parcela da divindade, nenhum
dano posso receber deles, pois nenhum me cobrirá de vergonha.
Tampouco me posso
exacerbar com um parente, nem odiá-lo porque nascemos para a ação conjunta,
como os pés, como as mãos, como as pálpebras, como as filas de dentes
superiores e inferiores. Por isso, é contra a natureza agir em sentido
contrário; agastar-se é agir em sentido contrário. (AURÉLIO, 1989, p. 24 - Livro
II)
11. Em todos os teus
atos, ditos e pensamentos, procede como se houvesses de deixar a vida dentro de
pouco.
Se os deuses existem,
nada há de temeroso em partir dentre os homens; eles não te haveriam de
precipitar numa desgraça; mas se eles não existem ou não se importam com os
assuntos humanos, que me interessa viver num mundo vazio de deuses ou vazio de providência?
Existem, porém,
importam-se com os assuntos humanos e deixaram na inteira dependência do homem
evitar cair nos verdadeiros males; e se houver algum outro além desses, teriam
também providenciado para que dependesse de cada qual não lhe acontecer.
Aquilo que não piora
o homem, como poderia piorar a vida do homem? A natureza do universo não
haveria de tolerar tal situação, quer por ignorância, quer sabendo, mas sem
poder prevenir ou corrigir, nem cometeria, por impotência ou incapacidade, o
grave erro de atribuir aos bons e aos maus, indistintamente, quinhões iguais de
bens e de males.
A morte e a vida, a
fama e o olvido, a dor e o prazer, a riqueza e a pobreza, tudo isso acontece igualmente
na Humanidade a bons e maus, sem constituir honra nem labéu; portanto, não são bens
nem males. (AURÉLIO, 1989, p. 27-28 - Livro II)
15. Que tudo é
opinião. São evidentes as palavras ditas a Mônimo, o Cínico; evidente
também o proveito do asserto para quem o degusta dentro dos limites da verdade.
(AURÉLIO, 1989, p. 30 - Livro II)
17. Não procedas como se
houvesses de durar dez milênios; o fim inevitável pende sobre ti; enquanto
vives, enquanto podes, torna-te um bom. (AURÉLIO, 1989, p. 47 - Livro IV)
35. Tudo é efêmero,
tanto o que memora quanto o memorado. (AURÉLIO, 1989, p. 52 - Livro IV)
47. Se um deus te
dissesse que morrerás amanhã ou quando muito depois de amanhã, já não estimarias
mais fosse depois de amanhã do que amanhã, salvo se fosses o último dos covardes;
pois que diferença faz? Do mesmo modo, não consideres grande vantagem morrer daqui
a tantos anos em vez de amanhã. (AURÉLIO, 1989, p. 54 - Livro IV)
24. Alexandre da
Macedônia e seu arrieiro igualaram-se na morte, porque ou foram recolhidos pejas
mesmas razões seminais do mundo, ou se dissiparam de modo igual no seio dos
átomos. (AURÉLIO, 1989, p. 77 - Livro VI)
42. Todos colaboramos
numa única realização, uns consciente e inteligentemente, outros sem o
perceberem. Isso, penso, significava Heráclito ao dizer que até os que dormem
são obreiros e colaboradores dos acontecimentos do mundo. Cada qual colabora a
seu modo, mesmo, de sobejo, quem critica e quem tenta sabotar e destruir os
resultados, pois até de tal gente precisaria o mundo.
Resta veres de qual
dos lados te vais alinhar. Aquele que rege o universo te empregará muito bem e
acolherá como parte entre os seus ajudantes e cooperadores. Tu, porém, não
sejas parte à maneira daquele verso cômico e tolo no drama, a que alude
Crisipo. (AURÉLIO, 1989, p. 81-82 - Livro VI)
19. Todos os corpos
passam na substância do universo como numa torrente, unificados com o todo e
com ele colaborando, como nossos membros uns com os outros.
Quantos Crisipos, quantos
Sócrates, quantos Epictetos já não tragou a eternidade! O mesmo pensamento te ocorra
a respeito de todo e qualquer homem ou coisa. (AURÉLIO, 1989, p. 90 - Livro VII)
23. Da substância
universal, como duma cera, a natureza universal plasma agora um cavalo, depois
o derrete e usa a sua matéria para uma plantinha, em seguida para um homúnculo,
depois para outra coisa. Cada uma dessas formas subsistiu por um rápido
momento. Para o escrínio nada há de terrível em ser desfeito, como nada havia
em ser formado. (AURÉLIO, 1989, p. 91 - Livro VII)
25. A natureza que rege
o universo mudará num instante tudo quanto vês, de sua substância criará outros
seres e, depois, da substância destes, ainda outros, para que o mundo esteja sempre
novo. (AURÉLIO, 1989, p. 91 - Livro VII)
49. Revendo o passado e
as múltiplas transformações do que existe no presente, podemos antecipar a
contemplação do futuro, pois será absolutamente semelhante e incapaz de sair do
ritmo dos fatos atuais. Daí, tanto faz estudar a vida humana por quarenta anos
como por dez milênios. Com efeito, o que verás a mais? (AURÉLIO, 1989, p. 95 - Livro
VII)
52. Quem não sabe o que
é o mundo não sabe onde está; quem não sabe para o que nasceu não sabe o que é,
nem o que o mundo é. Quem negligenciou uma dessas noções não poderia dizer sequer
para o que existe.
Que te parece quem
foge ou teme o louvor dos que o aplaudem, ou os que ignoram onde estão e o que
são? (AURÉLIO, 1989, p. 115-116 - Livro VIII)
3. Não desprezes a
morte; dá-lhe boa acolhida, como a uma das coisas que a natureza quer. A decomposição
é em si mesma um fenômeno como a juventude, a velhice, o crescimento, a maturidade,
o aparecimento dos dentes, da barba, das cãs, a fecundação, a gravidez, o parto
e quantas outras operações naturais trazem as quadras da tua vida.
Portanto, diante da morte,
a atitude do homem que raciocina não é recebê-la com revolta, violência ou
soberba, mas aguardá-la como uma das operações naturais. Como aguardas agora
que o nascituro saia um dia do ventre de tua esposa, assim acolhe a hora em que
tua alma escapará desse invólucro.
Se queres um preceito
simples, que toque o coração, nada te conformará melhor com a morte do que
examinar de que objetos te vais separar e com quais caracteres deixará de estar
misturada tua alma. Não é absolutamente mister te desavenhas com eles, mas que
zeles por eles e os suportes com brandura, não esquecendo, embora, que os
homens que deixarás não cultivam os teus princípios.
Com efeito, se algo
te pode reter e prender à vida, seria apenas a concessão de conviveres com
pessoas de princípios iguais. Vês, porém, quanto exaure a divergência de vistas
no convívio, a ponto de dizeres: Oxalá mais cedo venhas, ó morte, para que eu
não acabe por me esquecer de mim mesmo! (AURÉLIO, 1989, p. 120-121 - Livro IX)
19. Tudo está em transformação.
Tu próprio estás numa alteração contínua e, em certo sentido, perecendo; todo o
universo também. (AURÉLIO, 1989, p. 124 - Livro IX)
33. Cedo estará
destruído tudo que vês; as testemunhas da destruição, por sua vez, serão destruídas;
quem morre em extrema velhice e o morto prematuro se acharão em situação idêntica.
(AURÉLIO, 1989, p. 127 - Livro IX)
26. Se te custa suportar
alguma coisa, é por esqueceres que tudo ocorre de acordo com a natureza
universal; que a falta não é tua; ademais, que tudo que ocorre sempre ocorreu assim,
sempre ocorrerá e está ocorrendo agora em toda parte; que um parentesco próximo
liga o homem a todo o gênero humano, não pelo sangue ou pela semente, mas pela
comunhão da inteligência.
Esqueces também que a
inteligência individual é uma divindade e emanou de lá; que nada é
particular a ninguém, mas seu filho, seu corpo, seu alento mesmo provieram de lá;
que tudo é opinião; que cada um só vive o presente e só perde este. (AURÉLIO,
1989, p. 164-165 - Livro XII)
Referência:
AURÉLIO, Marco. Meditações. Introdução, tradução e notas de Jaime Bruna.
São Paulo, SP: Cultrix, 1989. (‘Clássicos Cultrix’)
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