Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Marco Aurélio - Algumas Meditações

Seguindo nas ideias veiculadas pelos estoicos – haja vista o poema ontem aqui postado –, apresento, abaixo, uma seleta de algumas meditações do imperador Marco Aurélio, a veicularem o sentido de mantença de um espírito inquebrantável perante as vicissitudes da vida, sem medo de que a morte sobrevenha hoje, amanhã ou mais além, pois que as ações de um lídimo estoico já devem pressupor que possa expirar a qualquer momento, razão pela qual conduz-se sempre sob a prevalência das medidas prioritárias, sem procrastinação.

Perceberá o internauta que alguns dos infratranscritos pensamentos assemelham-se a preleções do Eclesiastes, sobretudo os que enfatizam a efemeridade do quanto se passa no mundo, a atingir tanto sujeitos ou fatos transatos, quanto aqueles que os rememoram, pois a seta letal do tempo jamais flui em sentido reverso, vindo a atingir, semelhantemente, estes últimos.

J.A.R. – H.C.

 

Marco Aurélio
(121 d.C. - 180 d.C.)

 

1. Previne a ti mesmo ao amanhecer: “Vou encontrar um intrometido, um mal-agradecido, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro”.

Eles devem todos esses vícios à ignorância do bem e do mal. Eu, porém, que observei ser o belo a natureza do bem e a vergonha a do mal, bem como consistir a natureza do próprio pecador em seu parentesco comigo, não em razão do mesmo sangue ou da mesma semente, mas por ter parte na inteligência e numa parcela da divindade, nenhum dano posso receber deles, pois nenhum me cobrirá de vergonha.

Tampouco me posso exacerbar com um parente, nem odiá-lo porque nascemos para a ação conjunta, como os pés, como as mãos, como as pálpebras, como as filas de dentes superiores e inferiores. Por isso, é contra a natureza agir em sentido contrário; agastar-se é agir em sentido contrário. (AURÉLIO, 1989, p. 24 - Livro II)

 

11. Em todos os teus atos, ditos e pensamentos, procede como se houvesses de deixar a vida dentro de pouco.

Se os deuses existem, nada há de temeroso em partir dentre os homens; eles não te haveriam de precipitar numa desgraça; mas se eles não existem ou não se importam com os assuntos humanos, que me interessa viver num mundo vazio de deuses ou vazio de providência?

Existem, porém, importam-se com os assuntos humanos e deixaram na inteira dependência do homem evitar cair nos verdadeiros males; e se houver algum outro além desses, teriam também providenciado para que dependesse de cada qual não lhe acontecer.

Aquilo que não piora o homem, como poderia piorar a vida do homem? A natureza do universo não haveria de tolerar tal situação, quer por ignorância, quer sabendo, mas sem poder prevenir ou corrigir, nem cometeria, por impotência ou incapacidade, o grave erro de atribuir aos bons e aos maus, indistintamente, quinhões iguais de bens e de males.

A morte e a vida, a fama e o olvido, a dor e o prazer, a riqueza e a pobreza, tudo isso acontece igualmente na Humanidade a bons e maus, sem constituir honra nem labéu; portanto, não são bens nem males. (AURÉLIO, 1989, p. 27-28 - Livro II)

 

15. Que tudo é opinião. São evidentes as palavras ditas a Mônimo, o Cínico; evidente também o proveito do asserto para quem o degusta dentro dos limites da verdade. (AURÉLIO, 1989, p. 30 - Livro II)

 

17. Não procedas como se houvesses de durar dez milênios; o fim inevitável pende sobre ti; enquanto vives, enquanto podes, torna-te um bom. (AURÉLIO, 1989, p. 47 - Livro IV)

 

35. Tudo é efêmero, tanto o que memora quanto o memorado. (AURÉLIO, 1989, p. 52 - Livro IV)

 

47. Se um deus te dissesse que morrerás amanhã ou quando muito depois de amanhã, já não estimarias mais fosse depois de amanhã do que amanhã, salvo se fosses o último dos covardes; pois que diferença faz? Do mesmo modo, não consideres grande vantagem morrer daqui a tantos anos em vez de amanhã. (AURÉLIO, 1989, p. 54 - Livro IV)

 

24. Alexandre da Macedônia e seu arrieiro igualaram-se na morte, porque ou foram recolhidos pejas mesmas razões seminais do mundo, ou se dissiparam de modo igual no seio dos átomos. (AURÉLIO, 1989, p. 77 - Livro VI)

 

42. Todos colaboramos numa única realização, uns consciente e inteligentemente, outros sem o perceberem. Isso, penso, significava Heráclito ao dizer que até os que dormem são obreiros e colaboradores dos acontecimentos do mundo. Cada qual colabora a seu modo, mesmo, de sobejo, quem critica e quem tenta sabotar e destruir os resultados, pois até de tal gente precisaria o mundo.

Resta veres de qual dos lados te vais alinhar. Aquele que rege o universo te empregará muito bem e acolherá como parte entre os seus ajudantes e cooperadores. Tu, porém, não sejas parte à maneira daquele verso cômico e tolo no drama, a que alude Crisipo. (AURÉLIO, 1989, p. 81-82 - Livro VI)

 

19. Todos os corpos passam na substância do universo como numa torrente, unificados com o todo e com ele colaborando, como nossos membros uns com os outros.

Quantos Crisipos, quantos Sócrates, quantos Epictetos já não tragou a eternidade! O mesmo pensamento te ocorra a respeito de todo e qualquer homem ou coisa. (AURÉLIO, 1989, p. 90 - Livro VII)

 

23. Da substância universal, como duma cera, a natureza universal plasma agora um cavalo, depois o derrete e usa a sua matéria para uma plantinha, em seguida para um homúnculo, depois para outra coisa. Cada uma dessas formas subsistiu por um rápido momento. Para o escrínio nada há de terrível em ser desfeito, como nada havia em ser formado. (AURÉLIO, 1989, p. 91 - Livro VII)

 

25. A natureza que rege o universo mudará num instante tudo quanto vês, de sua substância criará outros seres e, depois, da substância destes, ainda outros, para que o mundo esteja sempre novo. (AURÉLIO, 1989, p. 91 - Livro VII)

 

49. Revendo o passado e as múltiplas transformações do que existe no presente, podemos antecipar a contemplação do futuro, pois será absolutamente semelhante e incapaz de sair do ritmo dos fatos atuais. Daí, tanto faz estudar a vida humana por quarenta anos como por dez milênios. Com efeito, o que verás a mais? (AURÉLIO, 1989, p. 95 - Livro VII)

 

52. Quem não sabe o que é o mundo não sabe onde está; quem não sabe para o que nasceu não sabe o que é, nem o que o mundo é. Quem negligenciou uma dessas noções não poderia dizer sequer para o que existe.

Que te parece quem foge ou teme o louvor dos que o aplaudem, ou os que ignoram onde estão e o que são? (AURÉLIO, 1989, p. 115-116 - Livro VIII)

 

3. Não desprezes a morte; dá-lhe boa acolhida, como a uma das coisas que a natureza quer. A decomposição é em si mesma um fenômeno como a juventude, a velhice, o crescimento, a maturidade, o aparecimento dos dentes, da barba, das cãs, a fecundação, a gravidez, o parto e quantas outras operações naturais trazem as quadras da tua vida.

Portanto, diante da morte, a atitude do homem que raciocina não é recebê-la com revolta, violência ou soberba, mas aguardá-la como uma das operações naturais. Como aguardas agora que o nascituro saia um dia do ventre de tua esposa, assim acolhe a hora em que tua alma escapará desse invólucro.

Se queres um preceito simples, que toque o coração, nada te conformará melhor com a morte do que examinar de que objetos te vais separar e com quais caracteres deixará de estar misturada tua alma. Não é absolutamente mister te desavenhas com eles, mas que zeles por eles e os suportes com brandura, não esquecendo, embora, que os homens que deixarás não cultivam os teus princípios.

Com efeito, se algo te pode reter e prender à vida, seria apenas a concessão de conviveres com pessoas de princípios iguais. Vês, porém, quanto exaure a divergência de vistas no convívio, a ponto de dizeres: Oxalá mais cedo venhas, ó morte, para que eu não acabe por me esquecer de mim mesmo! (AURÉLIO, 1989, p. 120-121 - Livro IX)

 

19. Tudo está em transformação. Tu próprio estás numa alteração contínua e, em certo sentido, perecendo; todo o universo também. (AURÉLIO, 1989, p. 124 - Livro IX)

 

33. Cedo estará destruído tudo que vês; as testemunhas da destruição, por sua vez, serão destruídas; quem morre em extrema velhice e o morto prematuro se acharão em situação idêntica. (AURÉLIO, 1989, p. 127 - Livro IX)

 

26. Se te custa suportar alguma coisa, é por esqueceres que tudo ocorre de acordo com a natureza universal; que a falta não é tua; ademais, que tudo que ocorre sempre ocorreu assim, sempre ocorrerá e está ocorrendo agora em toda parte; que um parentesco próximo liga o homem a todo o gênero humano, não pelo sangue ou pela semente, mas pela comunhão da inteligência.

Esqueces também que a inteligência individual é uma divindade e emanou de ; que nada é particular a ninguém, mas seu filho, seu corpo, seu alento mesmo provieram de ; que tudo é opinião; que cada um só vive o presente e só perde este. (AURÉLIO, 1989, p. 164-165 - Livro XII)


Últimas Palavras do Imperador Marco Aurélio
(Eugène Delacroix: pintor francês)
 

Referência:

AURÉLIO, Marco. Meditações. Introdução, tradução e notas de Jaime Bruna. São Paulo, SP: Cultrix, 1989. (‘Clássicos Cultrix’)

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