Nos versos do poeta escocês sobressaem três imagens interligadas que pressuporiam a presença divina: primeiramente, o vale sob um fogaréu devastador e claustrofóbico, com os grilos tentando escapar e as sementes detonadas nas vagens. Ao fim, um pássaro encontra uma clareira na fumaça e consegue alcançar um galho de árvore.
Depois, sob um céu nublado e esverdeado, ouvem-se ruídos vindos dos animais e de máquinas, ao tempo que se adotam ações voltadas ao cuidado de ovelhas, decerto criadas em uma fazenda no sobredito vale: os cordeiros, ainda pouco afeitos a tais tormentas, tentam escapar de volta aos seus apriscos.
Na derradeira estrofe, a tempestade se precipita, fazendo entrar em pânico os pássaros; entrementes, um homem risca com um giz numa tábua, enquanto as árvores mais altas se vergam, oscilando ao ritmo do vendaval, ao longo do vale carbonizado. Durante a noite toda, há trovões, esvoaçar de folhas e guarnecer de asas.
Nota-se, em cada estrofe, uma expectativa de se escapar das desditas impostas pela natureza, distinguindo-se subjacentes aos versos, ademais, alguns eventos que se parecem a narrativas bíblicas, como no momento em que Deus legou a Moisés, em duas tábuas de pedra, os dez mandamentos (Êxodo 31:18), ou, ainda, hipotéticas representações de entes alados protetores, afora as menções a ovelhas e ao ritual da primeira comunhão.
J.A.R. – H.C.
Robin Robertson
(n. 1955)
Three Ways of Looking at God
1
A claustrophobia of
sand and stone: a walled heat.
The light bleaches
and curves like a blade, isolates
the chirr of
crickets, seed-pods detonating,
the valley waiting in
a film of flame.
A bird finds an open channel in the air
and follows it without exertion to the branch.
2
The sky is slashed like a sail. Night folds
over the shears, the dye, the docked tails.
We listen to the rumours of the valley:
goats’ voices, gear-changes, the stirring of dogs.
In the green light, lambs with rouged cheeks
skitter from their first communion, calling for
home.
3
Lightning flexes: a man chalked on a board,
reeling,
exact, elementary, flawed; at each kick, birds
flinch
and scatter from the white lawn.
The long trees bend to the grain of the gale,
streaming the dark valley like riverweed.
All night: thunder, torn leaves; a sheathing of wings.
Olhando para Deus
(Toby G. Schneier: pintora norte-americana)
Três Formas de Olhar para Deus
1
Uma claustrofobia de areia e pedra: um calor
amuralhado.
A luz descora e se curva como uma navalha, isola
o chilro dos grilos, detonando as vagens com
sementes;
o vale espreita sob uma película de chamas.
Um pássaro encontra um canal aberto no ar
e o segue sem esforço até a fronde.
2
O céu está cesurado feito vela. A noite se dobra
sobre as tosquiadeiras, o corante, as caudas cortadas.
Damos ouvidos aos rumores do vale:
vozes de cabras, câmbios de marcha, a agitação de cães.
Sob a luz verde, cordeiros com bochechas vermelhas
esgueiram-se de sua primeira comunhão, balindo pelo
ovil.
3
Raios irrompem: um homem gizou sobre uma tábua, trôpego,
consciencioso, irredutível, imperfeito; a cada
descarga,
os pássaros recuam e se dispersam no relvado branco.
As longas árvores se inclinam ao ritmo do vendaval,
drapeando pelo vale escuro como algas de rio.
Toda a noite: trovões, folhas laceradas; um guarnecer de asas.
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