Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Gastão Cruz - O Eco da Palavra

Na sucessão do tempo, as modificações nos versos de um poema, levadas a efeito pelo poeta, encetam proveitos capazes de fazer convergir o significante, o significado e o som de cada palavra, dotando de “alma” aquilo que, antes, era o hirto silêncio – agora, contudo, reverberante para todo o sempre.

O ente lírico vislumbra o poema a partir de uma perspectiva “funcionalista”, pois os versos, marcados por supervenientes “cicatrizes”, possuem a incumbência de despertar os sentidos do leitor – no caso, sonoros e táteis –, ou ainda, prendendo-se à terminologia comumente empregada, de agregar valor ao estilo mediante proposições sinestésicas, tornando mais facilmente apreensível o teor de suas linhas.

J.A.R. – H.C.

 

Gastão Cruz

(n. 1941)

 

O Eco da Palavra

 

O poema não funciona é o que dizes

por vezes sobre versos que te mando

funcionará depois? As cicatrizes

das modificações somem-se quando

 

alguns dias mais tarde o reescrito

texto releio tudo funcionando

no seu exacto corpo como o dito

som da palavra ecoando

 

em casa como em gruta, grito

logo perdido nos confins da pedra

certo batendo e desfazendo o hirto

silêncio de granito em que penetra

 

Era a alma do poema que faltava,

o eco da palavra?

 

Eco da palavra: Deus é misericordioso

(Mohammad Ehsai: artista iraniano)


Referência:

CRUZ, Gastão. O eco da palavra. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1813.

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