Na sucessão do tempo, as modificações nos versos de um poema, levadas a efeito pelo poeta, encetam proveitos capazes de fazer convergir o significante, o significado e o som de cada palavra, dotando de “alma” aquilo que, antes, era o hirto silêncio – agora, contudo, reverberante para todo o sempre.
O ente lírico vislumbra o poema a partir de uma perspectiva “funcionalista”, pois os versos, marcados por supervenientes “cicatrizes”, possuem a incumbência de despertar os sentidos do leitor – no caso, sonoros e táteis –, ou ainda, prendendo-se à terminologia comumente empregada, de agregar valor ao estilo mediante proposições sinestésicas, tornando mais facilmente apreensível o teor de suas linhas.
J.A.R. – H.C.
Gastão Cruz
(n. 1941)
O Eco da Palavra
O poema não funciona é o que dizes
por vezes sobre versos que te mando
funcionará depois? As cicatrizes
das modificações somem-se quando
alguns dias mais tarde o reescrito
texto releio tudo funcionando
no seu exacto corpo como o dito
som da palavra ecoando
em casa como em gruta, grito
logo perdido nos confins da pedra
certo batendo e desfazendo o hirto
silêncio de granito em que penetra
Era a alma do poema que faltava,
o eco da palavra?
Eco da palavra: Deus é misericordioso
(Mohammad Ehsai: artista iraniano)
Referência:
CRUZ, Gastão. O eco da palavra. In:
REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas
portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI.
Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1813.
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