A fazer menção, muito provavelmente à guerra franco-alemã de 1870, Rimbaud estende o sentido da derrota sofrida pelos conterrâneos às suas próprias decepções literárias em Paris – muito embora se vislumbre em seus versos alguma tênue esperança de que o panorama se lhe venha a alterar para melhor.
Os corvos – pássaros negros aos quais se atribuem augúrios de morte – testemunham a ladainha dos desaparecidos no conflito: paradoxalmente, o poeta os qualifica como “deliciosos” e “amados”, dando a impressão aos leitores de que há um certo compadrio masoquista entre o ente lírico, sombrio e melancólico, e a ave-símbolo do mau presságio.
J.A.R. – H.C.
Arthur Rimbaud
(1854-1891)
Les corbeaux
Seigneur, quand froide est la prairie,
Quand dans les hameaux abattus,
Les longs angelus se sont tus...
Sur la nature défleurie
Faites s’abattre des grands cieux
Les chers corbeaux délicieux.
Armée étrange aux cris sévères,
Les vents froids attaquent vos nids!
Vous, le long des fleuves jaunis,
Sur les routes aux vieux calvaires,
Sur les fossés et sur les trous
Dispersez-vous, ralliez-vous!
Par milliers, sur les champs de France,
Où dorment des morts d’avant-hier,
Tournoyez, n’est-ce pas, l’hiver,
Pour que chaque passant repense!
Sois donc le crieur du devoir,
Ô notre funèbre oiseau noir!
Mais, saints du ciel, en haut du chêne,
Mât perdu dans le soir charmé,
Laissez les fauvettes de mai
Pour ceux qu’au fond du bois enchaîne,
Dans l’herbe d’où l’on ne peut fuir,
La défaite sans avenir.
Campo de trigo com corvos
(Vincent van Gogh: pintor holandês)
Os corvos
Quando o frio envolve os campos
quando nas desoladas aldeias
o longo “Ângelus” se cala
sobre a natureza despida,
fazei, Senhor, dos altos céus,
descer os deliciosos corvos amados.
Estranho exército de graves clamores,
os implacáveis ventos vos assolam os ninhos.
Ao longo dos barrentos rios,
sobre as estradas de velhos cruzeiros,
sobre casebres e valas,
dispersai-vos, confundi-vos.
Aos milhares, sobre os campos de França
onde repousam os mortos de anteontem,
voai, volteai, ao frio de inverno,
para que os passantes meditem!
Sede os pregoeiros de dever,
ó nossa negra ave agoirenta!
Mas, Senhor, no alto do carvalho
– mastro perdido na noite enfeitiçada –
deixai as toutinegras de maio
para aqueles que, no fundo da floresta,
sob a relva de onde não se pode fugir,
estão esmagados pela derrota sem esperança!
Referências:
Em Francês
RIMBAUD, Arthur. Les corbeaux. In: __________. A season in hell and other works / Une saison en enfer et oeuvres diverses. A dual-language book. Edited and translated by Stanley Appelbaum. Mineola, NY: Dove Publications, 2003. p. 134 and 136.
Em Português
RIMBAUD,
Artur. Os corvos. Tradução de Xavier Placer. In: MILLIET, Sérgio (Seleção e
Notas). Obras-primas da poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria
Martins Editora, 1957. p. 152-153.
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