Nas palavras do usuário, a impressão de que age de um modo ético ou politicamente correto, a conselho de um profissional da medicina – pretendendo, com isso, “salvar o mundo” ou apenas ser feliz –, sem, contudo, ver resultados concretos provindos do seu modo de ser e de conduzir-se perante os confrades.
Talvez o falante esteja a comparar-se com os demais, que se comportam de uma forma menos atenta aos gravames que impõem à natureza – em face de um consumo pródigo de luz e água –, além de empregarem os recursos mais indignos para deixarem de recolher os impostos exigidos pela vida em sociedade. E assim caminha a humanidade, nem todos em sintonia com os princípios elementares da arte de bem viver!
J.A.R. – H.C.
José Miguel Silva
(n. 1969)
Queixas de um Utente
Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.
Quatro olhos: curvatura do espaço-tempo
(Stefanie Heinze: pintora alemã)
Referência:
MIGUEL SILVA, José. Queixas de um
utente. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e
notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII
ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora,
2009. p. 2068.
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