A poetisa mineira dirige-se a um pássaro, cuja imagem é fomentada por um não nomeado poema do francês Jacques Prévert (1900-1977) – muito embora se imagine tratar-se de “Para pintar o retrato de um pássaro” –, nem canário nem pintassilgo, porque, acima de quaisquer palavras, paira ele na leveza do mais diáfano pensamento.
Em nenhum momento detido pela malha da gaiola metafórica que é o próprio poema, o pássaro de Bernis alimenta-se com “sementes de amplidão”, com o que se deseja expressar a mais franqueada liberdade de que dispõe a ave para cortar o azul das “manhãs de abril”, podendo se locomover por aqui e por ali, cobrindo vastas planícies – a exemplo dos pássaros migratórios.
J.A.R. – H.C.
Yeda Prates Bernis
(n. 1926)
Migração
Chegas do poema de Prévert
impregnado de sortilégios.
Não te batizo
de canário ou pintassilgo:
pouco importa teu nome
se qualquer substantivo pesa sobre tua
leveza de pensamento puro,
estás acima de todas as palavras.
E te enfeitiço com manhãs de abril,
te ilumino em ouro e canto,
te celebro a inocência.
Viajo em teu enigma,
vislumbro o azul em teus andares,
te alimento com sementes de amplidão
e te pouso, com cuidado,
na gaiola aberta
deste poema.
Parada na migração: narceja
(Wilhelm J. Goebel: pintor norte-americano)
Referência:
BERNIS, Yeda Prates. Migração. In: __________.
Cantata: antologia poética. Belo Horizonte, MG: Ed. da autora, 2004. p.
110.
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