Por trás de toda a grandeza do nome do poeta lusitano, há o humano e o ordinário que Nunes vislumbra como substratos de “dor”, depreendidos dos elementos presentes no quarto – presumivelmente visitado “in loco” – que pertenceu a Pessoa quando em vida, aos quais se aliam outros tantos fatos consabidos de sua biografia.
Ao poeta paulista deve ter assombrado a simplicidade das instalações sob as quais foi produzida grande parte da vasta obra poética do ilustre português, à sombra de seus presumíveis descuidados com o asseio pessoal – aliás, explicitamente declarados nos primeiros versos de “Poema em linha recta” –, onanismo, consumo de bebidas alcoólicas e “ácida” solidão.
J.A.R. – H.C.
Cassiano Nunes
(1921-2007)
No quarto de Fernando Pessoa
No quarto de Fernando Pessoa,
pergunto às paredes
pelo homem comum,
sem fama nem legenda
– o homem verdadeiro,
de carne e osso,
porventura com caspa e mau hálito.
Espero que me contem
de sua solidão ácida,
de seus sonhos confusos, viscerais,
de alcoólico,
de seu onanismo
engrinaldado de nádegas adolescentes,
de seus ideais
fora das medidas da razão,
dos versos que faltam à ampla arca,
sonhados mas não escritos,
da sua morte humilhante
com pseudônimo de cirrose.
Oh! Tu que tudo sabes!
Mais uma vez,
ouso perguntar-Te:
por que a grandeza é dor?
O quarto de Fernando Pessoa III
(Manuel Amado: pintor português)
Referência:
NUNES,
Cassiano. No quarto de Fernando Pessoa. In: SOUZA, Aglaia et al. Caliandra:
poesia em Brasília. Brasília, DF: André Quicé Editor, 1995. p. 53.
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