Para além das palavras e da limitada compreensão humana, encontra-se o eterno mistério de termos que nos lançar ao passado para depreendermos o sentido que a vida encerra, quer nos dias que correm quer no tempo futuro: nos versos do poeta israelense rumina-se sobre o fator imponderável que permeia o nosso existir, a condicionalidade de todo o sucedido – que poderia ter se desenrolado de modo diferente, claro está, se o ato de vontade deliberasse por outro itinerário.
Somos os criadores de nossos destinos e os intérpretes dos fatos do mundo: há, em cada um de nós, plasmas de absurdos, impurezas, perdições, ruínas e caos, mas também de gêneses, concepções, fundações de novos mundos que se aditam à egrégia obra erigida ao final de sete dias.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
O eterno mistério
O eterno mistério dos remos
bate atrás e o barco navega adiante,
assim os feitos e as palavras batiam
para que o corpo avançasse com o ser
humano dentro dele.
Uma vez eu me sentei na cadeira do barbeiro
junto à rua
e vi no grande espelho as pessoas vindo
na minha direção.
De repente pararam e foram engolidas
pelo abismo
que está além do grande espelho.
O grande mistério do pôr do sol no mar:
até um professor de física, que sabe, diz:
olha, o sol se põe no mar, vermelho e belo.
Ou o mistério de palavras como
“Eu podia ser teu pai”, ou
“O que eu fiz hoje um ano atrás?”
E outras palavras como essas.
O oráculo
(Brad Gray: artista inglês)
Referência:
AMICHAI, Yehuda. O eterno mistério. Tradução
de Moacir Amâncio. In: __________. Terra e paz: antologia poética.
Organização e tradução de Moacir Amâncio. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bazar do
Tempo, 2018. p. 41.
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