O ente lírico − que muito se parece a
Zaratustra em suas elucubrações, a saber, as próprias cogitações de Nietzsche −
deixa-se hipnotizar pelas alturas em que plana um albatroz, como se refletisse o
intento de ascensão para a sua inspiração poética, espécie de símbolo para um
desejo entranhado de experimentar as últimas consequências de certo modo de
vida essencialmente livre − anacoreta, dir-se-ia.
O pássaro revela-se capaz de se manter
onde está, resistindo à força de seu peso, a atraí-lo para o “chão” – de onde
deseja, com a força do espírito e a todo custo, desvencilhar-se. Afinal, é o
próprio poeta quem assim o declara: “Um eterno desejo me impele às alturas”!
Mas as lágrimas do falante, ao fim, mais presumem o epítome de uma sensação de
impotência para lá chegar!
Sobre o albatroz, logo se poderia fazer
menção ao famoso soneto de Baudelaire: contudo, o tema do poema elaborado pelo
francês delimita-se à captura de uma ave da espécie por marinheiros, bem assim
à assunção de que as suas asas, tão livres e majestosas durante o voo,
impedem-no de manter-se ereto e grácil quando no chão.
Um detalhe: a grafia mais abaixo apresentada
na versão do poema ao português – albatrós – acha-se tal e qual consignada pelo
seu tradutor, vale dizer, o germanista lusitano Paulo Manuel Pires Quintela
(1915-1987).
J.A.R. – H.C.
Friedrich Nietzsche
(1844-1900)
Vogel Albatross
0 Wunder! Fliegt er
noch?
Er steigt empor, und
seine Flügel ruhn!
Was hebt und trägt
ihn doch?
Was ist ihm Ziel und
Zug und Zügel nun?
Er flog zu höchst − nun
hebt
Der Himmel selbst den
siegreich Fliegenden:
Nun ruht er still und
schwebt,
Den Sieg vergessend
und den Siegenden.
Gleich Stern und
Ewigkeit
Lebt er in Höhn
jetzt, die das Leben flieht,
Mitleidig selbst dem
Neid:
Und hoch flog, wer
ihn auch nur schweben sieht!
O Vogel Albatross!
Zur Höhe treibt’s mit
ewgem Triebe mich.
Ich dachte dein: da
floss
Mir Trän um Träne, −
ja, ich liebe dich!
O voo do albatroz
(Roger Melvill:
pintor sul-africano)
O Albatrós
Que maravilha! Voa
ele ainda?
Continua a subir, e
co’as asas paradas!
Que é que o levanta e
aguenta?
Qual é o seu fito, o
seu curso, as suas rédeas?
Voou ao máximo −
agora é o próprio céu
Que ergue ao alto o
que voa triunfante:
Fica agora parado a
pairar,
Esquecendo o triunfo
e o que triunfa.
Como a estrela e a
eternidade,
Vive agora em alturas
de que a vida foge,
Com dó mesmo da
inveja:
E alto voou mesmo
quem só o vê pairar!
Ó pássaro Albatrós!
Um eterno desejo me
impele pra as alturas.
Pensei em ti: e então
correu
Lágrima após lágrima,
− sim, amo-te!
Referência:
NIETZSCHE, Friedrich. Vogel albatross /
O albatrós. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poemas.
Selecção, versão portuguesa, prefácio e notas de Paulo Quintela. Edição
bilíngue. 3. ed. revisada. Coimbra, PT: Centelha, 1986. Em alemão: p. 160; em
português: p. 161.
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Adoro poesia e encontre-o por causa de Victor Hugo A maneira como faz as postagens com as devidas referências são difíceis de se encontrar na internet. Parabéns!
ResponderExcluirPrezado(a): Muito obrigado pelo comentário e por navegar pelas páginas deste blog.
ExcluirUm abraço,
João A. Rodrigues