Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 11 de outubro de 2020

Friedrich Nietzsche - O Albatrós

O ente lírico − que muito se parece a Zaratustra em suas elucubrações, a saber, as próprias cogitações de Nietzsche − deixa-se hipnotizar pelas alturas em que plana um albatroz, como se refletisse o intento de ascensão para a sua inspiração poética, espécie de símbolo para um desejo entranhado de experimentar as últimas consequências de certo modo de vida essencialmente livre − anacoreta, dir-se-ia.

O pássaro revela-se capaz de se manter onde está, resistindo à força de seu peso, a atraí-lo para o “chão” – de onde deseja, com a força do espírito e a todo custo, desvencilhar-se. Afinal, é o próprio poeta quem assim o declara: “Um eterno desejo me impele às alturas”! Mas as lágrimas do falante, ao fim, mais presumem o epítome de uma sensação de impotência para lá chegar!

Sobre o albatroz, logo se poderia fazer menção ao famoso soneto de Baudelaire: contudo, o tema do poema elaborado pelo francês delimita-se à captura de uma ave da espécie por marinheiros, bem assim à assunção de que as suas asas, tão livres e majestosas durante o voo, impedem-no de manter-se ereto e grácil quando no chão.

Um detalhe: a grafia mais abaixo apresentada na versão do poema ao português – albatrós – acha-se tal e qual consignada pelo seu tradutor, vale dizer, o germanista lusitano Paulo Manuel Pires Quintela (1915-1987).

J.A.R. – H.C.

Friedrich Nietzsche
(1844-1900)

Vogel Albatross

0 Wunder! Fliegt er noch?
Er steigt empor, und seine Flügel ruhn!
Was hebt und trägt ihn doch?
Was ist ihm Ziel und Zug und Zügel nun?

Er flog zu höchst − nun hebt
Der Himmel selbst den siegreich Fliegenden:
Nun ruht er still und schwebt,
Den Sieg vergessend und den Siegenden.

Gleich Stern und Ewigkeit
Lebt er in Höhn jetzt, die das Leben flieht,
Mitleidig selbst dem Neid:
Und hoch flog, wer ihn auch nur schweben sieht!

O Vogel Albatross!
Zur Höhe treibt’s mit ewgem Triebe mich.
Ich dachte dein: da floss
Mir Trän um Träne, − ja, ich liebe dich!

O voo do albatroz
(Roger Melvill: pintor sul-africano)

O Albatrós

Que maravilha! Voa ele ainda?
Continua a subir, e co’as asas paradas!
Que é que o levanta e aguenta?
Qual é o seu fito, o seu curso, as suas rédeas?

Voou ao máximo − agora é o próprio céu
Que ergue ao alto o que voa triunfante:
Fica agora parado a pairar,
Esquecendo o triunfo e o que triunfa.

Como a estrela e a eternidade,
Vive agora em alturas de que a vida foge,
Com dó mesmo da inveja:
E alto voou mesmo quem só o vê pairar!

Ó pássaro Albatrós!
Um eterno desejo me impele pra as alturas.
Pensei em ti: e então correu
Lágrima após lágrima, − sim, amo-te!

Referência:

NIETZSCHE, Friedrich. Vogel albatross / O albatrós. Tradução de Paulo Quintela. In: __________. Poemas. Selecção, versão portuguesa, prefácio e notas de Paulo Quintela. Edição bilíngue. 3. ed. revisada. Coimbra, PT: Centelha, 1986. Em alemão: p. 160; em português: p. 161.

2 comentários:

  1. Adoro poesia e encontre-o por causa de Victor Hugo A maneira como faz as postagens com as devidas referências são difíceis de se encontrar na internet. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezado(a): Muito obrigado pelo comentário e por navegar pelas páginas deste blog.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

      Excluir