O poeta pergunta-se se o desorientar-se
num labirinto seria uma regra secreta a presidir as suas construções poéticas,
um estado a abarcar o lado positivo e negativo de qualquer realidade tangível
ou intangível, de sorte a circunscrever mesmo o reverso do método que emprega
para “dar novos mundos ao mundo” – um antimétodo, portanto.
Seria ele como uma esfinge enigmática,
um fingidor meio ao modo de Pessoa, alguém que foge de si mesmo como a um
espantalho, num cenário de embaralhamento que se transverte em impeditivo para
bem se caracterizar, nele, o que seja verdade ou farsa: o vate é essa realidade
ambivalente, sem arestas definitivas, fingindo partir e não partir – embora partindo!
J.A.R. – H.C.
A mistura de
registros associada a uma negatividade radical caracteriza a poesia desse
escritor que compartilha com João Cabral de Melo Neto e com os poetas concretos
o cerebralismo e o sentido da arquitetura − porém com doses mais ácidas de
humor. Em Sebastião Uchoa Leite (que também foi tradutor e crítico de arte), a
poesia começa como antipoesia, mais especificamente como linguagem
antimetafórica e, por extensão, como gesto corrosivo contra a figura do poeta,
do artista demiurgo, criador de mundos. Em “Fora Algumas Metáforas”, tirando
aquilo que escapa ao lugar-comum das metaforizações, “nada é nada”, ou seja,
resta um nada que é tudo: o nada é o niilismo do campo de concentração de
Auschwitz, que só os códigos da desconstrução (uma atitude crítica em relação à
linguagem que ele vê na poesia de Paul Celan e na filosofia de Theodor Adorno, ambos
marcados pela experiência do nazismo) e essa sintaxe cheia de arestas (sua
antilira) talvez possam representar. A arte se define assim pela “desenigmação”,
que reaparece no poema “Um enigma de Ludwig” em que um episódio biográfico de
Beethoven é narrado de modo prosaico, esvaziado de seu mistério. Trata-se,
enfim, de um método que consiste em dissolver identidades e ideias feitas − ou
melhor, de um “antimétodo", que é o título desses dois poemas em que Uchoa
Leite submete a si mesmo (“sou meu próprio espantalho”) a esse exercício de
corrosão, quebrando o segredo de sua regra secreta.
Principais Obras: Antologia
(Achiamé, 1979), A uma Incógnita (Iluminuras, 1991), A Ficção Vida
(Editora 34, 1993), A Espreita (Perspectiva, 2000), A Regra Secreta
(Landy, 2002). (PINTO, 2006, p. 358)
Sebastião Uchôa Leite
(1935-2003)
Antimétodo
Desoriento-me
Sem qualquer
Método
Ou sem
Qualquer fim
Vou e não vou
Mas vou
Caio sem qualquer
Alarde
O que é
E não é: mas é
Desorientar-me
E meu antimédoto
Antimétodo 2
Pouco a pouco
Embaralho tudo e nada
Sou meu próprio
Espantalho
Fujo
De mim mesmo
Finjo-me
Da minha própria
Esfinge
Perdido em meu
próprio
Labirinto
Sou o que sou
Ou minto? Será isso
Uma regra secreta?
Ambos em: “A Regra
Secreta” (2002)
Édipo e a Esfinge
(Giorgio de Chirico:
pintor italiano)
Referência:
LEITE, Sebastião Uchôa. Antimétodo /
Antimétodo II. In: PINTO, Manuel da Costa (Seleção e organização). Antologia
comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo, SP: Publifolha,
2006. p. 356-357.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário