Hesse, nesta meditação, fala-nos do
poder da leitura, de como ela nos lança no mar do conhecimento e da sabedoria
universais, tornando-nos, como consectário influxo, capazes de apreciar a beleza
e o encanto naquilo que há de mais peculiar, de singular na cultura de todos os
povos sobre a terra: veja-se que sendo Hesse um escritor suíço-alemão, muito se
interessou pela visão de mundo de outras civilizações, como a da Índia − neste
caso, decerto, em razão de os seus pais atuarem como missionários protestantes
naquele país.
É que a leitura tem o poder de nos
transformar, levando-nos a reconhecer, a delimitar melhor os domínios do
terreno que ainda desconhecemos, ao mesmo tempo que nos expande os padrões de
pensamento, de sentimento e de ação, tornando-nos mais hábeis a lidar com o que
se nos parece distinto, habilitando-nos a um convívio dialógico mais amistoso.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
Gedanke nr. 311
Je differenzierter,
je feinfühliger und beziehungsreicher wir zu lesen verstehen, desto mehr sehen
wir jeden Gedanken und jede Dichtung in ihrer Einmaligkeit, in Ihrer
Individualität und engen Bedingtheit, und sehen, dass alle Schönheit, aller
Reiz gerade auf dieser Individualität und Einmaligkeit beruht – und zugleich
glauben wir dennoch, immer deutlicher zu sehen, wie alle diese hunderttausend
Stimmen der Völker nach demselben Ziele streben, unter anderem Namen dieselben
Götter anrufen, dieselben Wünsche träumen, dieselben Leiden leiden. Aus dem
tausendfältigen Gespinste unzähliger Sprachen und Bücher aus mehreren
Jahrtausenden blickt in erleuchteten Augenblicken den Leser eine wunderlich
erhabene und überwirkliche Chimäre an: das Angesicht des Menschen, aus tausend
widersprechenden Zügen zur Einheit gezaubert.
Embarque da Rainha de
Sabá
num porto marítimo
(Claude Gellée:
pintor francês)
Pensamento nº 311
Quanto mais, por
nossas características pessoais, por nossa aguda sensibilidade, por nossa
esmerada educação, estivermos preparados para a leitura, tanto melhor sentiremos
cada pensamento lido e cada poema, no que têm de singular, de próprio, de
intimamente fascinante. Vemos então que toda a sua beleza, todo o seu encanto,
repousam precisamente nesse seu caráter peculiar e inconfundível. Contudo
percebemos também e de maneira bem clara que todos esses milhares de vozes dos
povos mais diversos anseiam pelo mesmo objetivo, invocam os mesmos deuses sob
nomes diferentes, sonham os mesmos sonhos, sofrem e padecem as mesmas dores.
Vinda dos albores da história, feita do emaranhado tecido de inúmeras línguas e
livros, eis que se põe a fitar o leitor, num momento iluminado, uma estranha,
rica e potentíssima quimera: − a efígie do homem, miraculosamente una em seus
milhares de traços contrastantes.
Referências:
Em Alemão
HESSE, Hermann. Gedanke nr. 311: über lesen
und bücher. Disponível neste endreço. Acesso em: 12 jul. 2020.
Em Português
HESSE, Hermann. Pensamento nº 311: sobre
leituras e livros. Tradução de Bélchior Cornelio da Silva. In: __________. Para
ler e pensar: pensamentos extraídos de seus livros e cartas. Tradução de Bélchior
Cornelio da Silva. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, [197-]. p. 116-117.
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