A conotação sensual deste poema de Rosa
é patente pelas imagens que emprega, desde o arranjo de palavras a envolver uma
pomba e suas plumas, até o vermelho de uma flor, a simbolizar atração, paixão e
amor libidinoso. Mas há mais a que atentar: os versos também sugerem um hipotético
imolar da ave para uma oferenda sacrificial (ou mesmo por um predador
carabineiro)!
Olhos e boca do ente lírico se submetem
aos efeitos dos consequentes elementos sinestésicos, num embate antitético de
frio e quente, de enérgico, ardente e latejante, mas depois inerte: eis aí o
sacrifício de uma “virgem” para que o “iniciante” possa experimentar um sabor
diferente nos lábios, ou como se diria, sensações nunca dantes exploradas.
J.A.R. – H.C.
João Guimarães Rosa
(1908-1967)
Vermelho
É uma pomba
− parece uma virgem.
De debaixo das
plumas, vem o jorro
enérgico, da foz de
uma artéria:
e a mancha
transborda, chovendo salpicos,
a cada palpitação.
Cresce, cresce,
parece que meus olhos
a tocam,
e que vem aos meus
olhos
passando por meus
dedos,
viva, tão viva,
que quase grita…
Ardente e berrante…
Como deve ser
quente!…
Mancha farta,
crescente, latejante,
dói-me nos olhos e me
irrita…
Cresce, cresce,
tão depressa,
que chega a mudar o
gosto na minha boca…
Tenho-a agora presa
nos meus olhos,
quente, quente,
e no entanto a pomba
já está fria,
e colorada, como uma
grande flor…
Amaryllis
(Piet Mondrian:
pintor holandês)
Referência:
ROSA, João Guimarães. Vermelho. In:
__________. Magma. Desenhos de Poty. 2. reimpressão. Rio de Janeiro, RJ:
Nova Fronteira, 1997. p. 52-53.
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