Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

João Guimarães Rosa - Vermelho

A conotação sensual deste poema de Rosa é patente pelas imagens que emprega, desde o arranjo de palavras a envolver uma pomba e suas plumas, até o vermelho de uma flor, a simbolizar atração, paixão e amor libidinoso. Mas há mais a que atentar: os versos também sugerem um hipotético imolar da ave para uma oferenda sacrificial (ou mesmo por um predador carabineiro)!

Olhos e boca do ente lírico se submetem aos efeitos dos consequentes elementos sinestésicos, num embate antitético de frio e quente, de enérgico, ardente e latejante, mas depois inerte: eis aí o sacrifício de uma “virgem” para que o “iniciante” possa experimentar um sabor diferente nos lábios, ou como se diria, sensações nunca dantes exploradas.

J.A.R. – H.C.

João Guimarães Rosa
(1908-1967)

Vermelho

É uma pomba
− parece uma virgem.
De debaixo das plumas, vem o jorro
enérgico, da foz de uma artéria:
e a mancha transborda, chovendo salpicos,
a cada palpitação.

Cresce, cresce,
parece que meus olhos a tocam,
e que vem aos meus olhos
passando por meus dedos,
viva, tão viva,
que quase grita…
Ardente e berrante…
Como deve ser quente!…
Mancha farta, crescente, latejante,
dói-me nos olhos e me irrita…

Cresce, cresce,
tão depressa,
que chega a mudar o gosto na minha boca…
Tenho-a agora presa nos meus olhos,
quente, quente,
e no entanto a pomba já está fria,
e colorada, como uma grande flor…

Amaryllis
(Piet Mondrian: pintor holandês)

Referência:

ROSA, João Guimarães. Vermelho. In: __________. Magma. Desenhos de Poty. 2. reimpressão. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1997. p. 52-53.

Nenhum comentário:

Postar um comentário