Melo Neto cria um paralelo entre a
personalidade feminina e o interior de uma casa, para contrapô-lo à sua
perspectiva externa que, por mais bela que seja, não permite contemplá-la por
inteiro. Com efeito, jamais se dispensa um passeio pelas alas internas de uma
morada com fachada encantadora, ou como se diria pelas palavras de um ditado
popular, “quem vê cara, não vê coração”! E vice-versa, redarguiriam as mulheres!
O poema poderia ser abordado por uma
perspectiva que talvez fosse mais afeita às ideias críticas das feministas,
pois nele se percebe a conexão − voluntária ou involuntária por parte do poeta −
com a esfera privada na relação marido e esposa. Veja-se que o protagonismo da
mulher no espaço doméstico ainda se encontra culturalmente arraigado em muitas
sociedades – a exemplo da brasileira −, fincado em seus papéis de mãe e dona de
casa, reforçados por tradições ou mesmo por rituais familiares.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo
Neto
(1920-1999)
A Mulher e a Casa
Tua sedução é menos
de mulher do que de
casa:
pois vem de como é
por dentro
ou por detrás da fachada.
Mesmo quando ela
possui
tua plácida
elegância,
esse teu reboco
claro,
riso franco de
varandas,
uma casa não é nunca
só para ser
contemplada;
melhor: somente por
dentro
é possível
contemplá-la.
Seduz pelo que é
dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser
dentro
de suas paredes
fechadas;
pelo que dentro
fizeram
com seus vazios, com
o nada;
pelos espaços de
dentro,
não pelo que dentro
guarda;
pelos espaços de
dentro:
seus recintos, suas
áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,
os quais sugerindo ao
homem
estâncias
aconchegadas,
paredes bem
revestidas
ou recessos bons de
cavas,
exercem sobre esse
homem
efeito igual ao que
causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de
visitá-la.
Em: “Quaderna” (1960)
Mulher a excisar
vegetais
na sala dos fundos de
uma morada holandesa
(Pieter de Hooch:
pintor holandês)
Referência:
MELO NETO, João Cabral de. A mulher e a
casa. In: __________. Obra completa. Volume único. Organização de Marly
de Oliveira. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1994. p. 241-242. (Biblioteca
Luso-Brasileira: Série Brasileira)
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