O escritor e poeta português afirma que
nem o abstrato nem o concreto são, propriamente, poesia, porque lhes falta algo
como o ardor, a exaltação de cada momento, mesmo porque, ao se reduzir tudo a
uma simples ideia, enceta-se o arquear de uma flecha – mera potência –, sem que,
necessariamente, se atinja o flanco das coisas, fazendo-as sangrar.
Nemésio postula por um verde mar, com
força para molhar e ampliar os horizontes, ou ainda − empregando um outro
elemento primal − o flamejar de uma fogueira, sempre a acumular cinzas ao
final, prova inconteste do que, efetivamente, se experimentou, explico-me melhor,
evidência segura de que, nos veios, fluiu plasma, linfa, seiva – ânima, em suma.
J.A.R. – H.C.
Vitorino Nemésio
(1901-1978)
Arte Poética
A poesia do
abstracto?
Talvez.
Mas um pouco de
calor,
A exaltação de cada
momento.
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na
lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica
alguma coisa queimada.
É melhor!
Uma ideia,
Só como sangue de
problema;
No mais, não,
Não me interessa.
Uma ideia
Vale como promessa,
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas
só sangrando me comove,
E uma pergunta é
dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre
redução,
Secura.
Perde,
E diante de mim o mar
que se levanta é verde:
Molha e amplia.
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o
concreto
são propriamente
poesia.
Poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto,
não.
Ritmo, a alegria da
vida
(Robert Delaunay:
artista francês)
Referência:
NEMÉSIO, Vitorino. Arte poética. In: REIS-SÁ,
Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas
portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI.
Prefácio de Vasco Graça Moura. 1.ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1234.
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