Todas as artes fazem a apologia à beleza: da pintura à arquitetura, da
música ao teatro, da escultura à literatura. E mesmo este bloguinho já a ela
muito se dedicou desde o seu começo: o internauta poderá comprová-lo digitando a
palavra “beleza”, por exemplo, no campo de pesquisa na coluna à esquerda (“Pesquisa
Neste Blog”).
E aqui temos um longo poema do poeta lusitano, a tecer loas a tal
senhora, a rainha da harmonia e do prazer perceptual: são treze quadras com
versos dodecassílabos, rimados no esquema “abab”, assim como bastante
costumeiro nas criações de poetas portugueses e brasileiros dedicados aos cânones
parnasianos.
J.A.R. – H.C.
António Feijó
(1859-1917)
Hino à Beleza
A Eugénio de Castro
Onde quer que o
fulgor da tua glória apareça,
– Obra de génio, flor
de heroísmo ou santidade, –
Da Gioconda imortal
na radiosa cabeça,
Num acto de grandeza
augusta ou de bondade,
– Como um pagão
subindo à Acrópole sagrada,
Vou de joelhos
render-te o meu culto piedoso,
Ou seja o Herói que
leva uma aurora na Espada,
Ou o Santo beijando
as chagas do Leproso.
Essa luz sem igual
com que sempre iluminas
Tudo o que existe em
nós de grande e puro, veio
Do mesmo foco em mil
parábolas divinas:
– Raios do mesmo
olhar, ânsias do mesmo seio.
Alta revelação que,
baixando em segredo,
O prisma humano
quebra em ângulos dispersos,
Como a água a cair de
rochedo em rochedo
Repete o mesmo som,
mas em modos diversos.
É audácia no Herói;
resignação no Santo;
Som e Cor, ondulando
em formas imortais;
No mármore rebelde
abre em folhas de acanto,
E esmalta de candura
a flora dos vitrais.
Ó Beleza! Ó Beleza!
as Horas fugitivas
Passam diante de ti,
aladas como sonhos...
Que importa onde elas
vão, doutra força cativas,
Se o Infinito luz nos
teus olhos risonhos?!
Abrem flores, cantando,
ao teu hálito ardente,
Brilham as aves como
estrelas, e as estrelas,
Como flores enchendo
a noite refulgente,
Deixam-se resvalar
sobre quem vai colhê-las...
És tu que às ilusões
dás juventude e forma,
Tu, que talvez do
céu, de onde vens, te recordes
Quando, a ouvir-nos
chorar, a tua voz transforma
Dissonâncias de dor
em imortais acordes.
Vejo-te muita vez, –
luz de aurora ou de raio, –
Como um gládio de
fogo a avançar no horizonte;
Ou então, em manhãs
transparentes de Maio,
Náiade toda nua a
fugir duma fonte.
Outras vezes, de
noite e a ocultas, apareces,
Como ovelha que Deus
do seu redil tresmalha,
Trazendo no regaço
inesgotáveis messes,
Que Ele por tuas mãos
sobre a miséria espalha...
Pudesse eu revelar-te
em estrofes aladas,
Que partissem ao Sol
refulgindo em lavores,
Com rimas de oiro, em
blau e púrpura engastadas,
Como versos que vão
desabrochando em flores!
Mas a língua não é
sumptuosa bastante
Para nela deixar teu
génio circunscrito;
Trago-te dentro em
mim, sinto-te a cada instante,
E a voz nem mesmo tem
a eloquência dum grito!
Mas se para o teu
culto, em esplendor externo,
Não encontro uma
prece altamente expressiva,
Por ti meu coração
arde dum fogo eterno,
Como chama a tremer
de lâmpada votiva!
Em: “Sol de Inverno” (1922)
Alegoria da Beleza
(Antonio Franchi:
pintor italiano)
Referência:
FEIJÓ, António. Hino à beleza. In:
__________. Poesias completas de António
Feijó. 2. ed. Lisboa, PT: Livraria Bertrand, [19--]. p. 374-376.
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