Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de março de 2018

António Feijó - Hino à Beleza ‎

Todas as artes fazem a apologia à beleza: da pintura à arquitetura, da música ao teatro, da escultura à literatura. E mesmo este bloguinho já a ela muito se dedicou desde o seu começo: o internauta poderá comprová-lo digitando a palavra “beleza”, por exemplo, no campo de pesquisa na coluna à esquerda (“Pesquisa Neste Blog”).

E aqui temos um longo poema do poeta lusitano, a tecer loas a tal senhora, a rainha da harmonia e do prazer perceptual: são treze quadras com versos dodecassílabos, rimados no esquema “abab”, assim como bastante costumeiro nas criações de poetas portugueses e brasileiros dedicados aos cânones parnasianos.

J.A.R. – H.C.

António Feijó
(1859-1917)

Hino à Beleza

A Eugénio de Castro

Onde quer que o fulgor da tua glória apareça,
– Obra de génio, flor de heroísmo ou santidade, –
Da Gioconda imortal na radiosa cabeça,
Num acto de grandeza augusta ou de bondade,

– Como um pagão subindo à Acrópole sagrada,
Vou de joelhos render-te o meu culto piedoso,
Ou seja o Herói que leva uma aurora na Espada,
Ou o Santo beijando as chagas do Leproso.

Essa luz sem igual com que sempre iluminas
Tudo o que existe em nós de grande e puro, veio
Do mesmo foco em mil parábolas divinas:
– Raios do mesmo olhar, ânsias do mesmo seio.

Alta revelação que, baixando em segredo,
O prisma humano quebra em ângulos dispersos,
Como a água a cair de rochedo em rochedo
Repete o mesmo som, mas em modos diversos.

É audácia no Herói; resignação no Santo;
Som e Cor, ondulando em formas imortais;
No mármore rebelde abre em folhas de acanto,
E esmalta de candura a flora dos vitrais.

Ó Beleza! Ó Beleza! as Horas fugitivas
Passam diante de ti, aladas como sonhos...
Que importa onde elas vão, doutra força cativas,
Se o Infinito luz nos teus olhos risonhos?!

Abrem flores, cantando, ao teu hálito ardente,
Brilham as aves como estrelas, e as estrelas,
Como flores enchendo a noite refulgente,
Deixam-se resvalar sobre quem vai colhê-las...

És tu que às ilusões dás juventude e forma,
Tu, que talvez do céu, de onde vens, te recordes
Quando, a ouvir-nos chorar, a tua voz transforma
Dissonâncias de dor em imortais acordes.

Vejo-te muita vez, – luz de aurora ou de raio, –
Como um gládio de fogo a avançar no horizonte;
Ou então, em manhãs transparentes de Maio,
Náiade toda nua a fugir duma fonte.

Outras vezes, de noite e a ocultas, apareces,
Como ovelha que Deus do seu redil tresmalha,
Trazendo no regaço inesgotáveis messes,
Que Ele por tuas mãos sobre a miséria espalha...

Pudesse eu revelar-te em estrofes aladas,
Que partissem ao Sol refulgindo em lavores,
Com rimas de oiro, em blau e púrpura engastadas,
Como versos que vão desabrochando em flores!

Mas a língua não é sumptuosa bastante
Para nela deixar teu génio circunscrito;
Trago-te dentro em mim, sinto-te a cada instante,
E a voz nem mesmo tem a eloquência dum grito!

Mas se para o teu culto, em esplendor externo,
Não encontro uma prece altamente expressiva,
Por ti meu coração arde dum fogo eterno,
Como chama a tremer de lâmpada votiva!

Em: “Sol de Inverno” (1922)

Alegoria da Beleza
(Antonio Franchi: pintor italiano)

Referência:

FEIJÓ, António. Hino à beleza. In: __________. Poesias completas de António Feijó. 2. ed. Lisboa, PT: Livraria Bertrand, [19--]. p. 374-376.

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