Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 26 de março de 2018

Carlos Ávila - Túmulo do Poeta Desconhecido ‎

Se há espaço para se dedicar um túmulo ao soldado desconhecido – como o existente no Arco do Triunfo, em Paris –, por qual motivo não haveria, do mesmo modo, um túmulo para o poeta desconhecido, neste caso, as prateleiras do esquecimento de uma biblioteca qualquer, esporadicamente visitada pelos leitores?!

É lá que o poeta “repousa em paz”, ou melhor, a sua lírica, enclausurada nas páginas dos tomos que logrou oferecer ao prelo. Outra imagem poderia ser a de obras poéticas mal-agasalhadas entre os armários de uma repartição pública: tantos são os poetas num só, e sendo tantos não é nenhum, anônimo na lista telefônica das cidades, translucidamente bêbado nos fundos de um bar, nesse mar absoluto que é o nada...

J.A.R. – H.C.

Carlos Ávila
(n. 1955)

Túmulo do Poeta Desconhecido

uma brochura
que mal se sustenta de pé
na biblioteca pública
de uma cidadezinha qualquer

as páginas amareladas
de uma antologia
com trezentos e tantos
tantos tantos “poetas”

um título
perdido
(muito cedo, muito cedo)
nas prateleiras de um sebo

apenas um nome
(nowhere man)
na babilônica
lista telefônica

numa obscura
repartição pública
(beneficência da língua portuguesa)
sem cura

um bardo bêbado
no fundo do bar
olhando pro nada
e pensando que é o mar

no tumulto da vida – o túmulo
requiescat in pace
& não volte jamais

A Biblioteca de Thorvald Boeck
(Backer Harriet: pintor norueguês)

Referência:

ÁVILA, Carlos. Túmulo do poeta desconhecido. In: DANIEL, Claudio; BARBOSA, Frederico (Organização, Seleção e Notas). Na virada do século: poesia de invenção no Brasil. São Paulo, SP: Landy, 2007. p. 96.

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