Se há espaço para se dedicar um túmulo ao soldado desconhecido – como o existente
no Arco do Triunfo, em Paris –, por qual motivo não haveria, do mesmo modo, um
túmulo para o poeta desconhecido, neste caso, as prateleiras do esquecimento de
uma biblioteca qualquer, esporadicamente visitada pelos leitores?!
É lá que o poeta “repousa em paz”, ou melhor, a sua lírica, enclausurada nas
páginas dos tomos que logrou oferecer ao prelo. Outra imagem poderia ser a de
obras poéticas mal-agasalhadas entre os armários de uma repartição pública:
tantos são os poetas num só, e sendo tantos não é nenhum, anônimo na lista
telefônica das cidades, translucidamente bêbado nos fundos de um bar, nesse mar
absoluto que é o nada...
J.A.R. – H.C.
Carlos Ávila
(n. 1955)
Túmulo do Poeta Desconhecido
uma brochura
que mal se sustenta
de pé
na biblioteca pública
de uma cidadezinha
qualquer
as páginas amareladas
de uma antologia
com trezentos e
tantos
tantos tantos “poetas”
um título
perdido
(muito cedo, muito
cedo)
nas prateleiras de um
sebo
apenas um nome
(nowhere man)
na babilônica
lista telefônica
numa obscura
repartição pública
(beneficência da
língua portuguesa)
sem cura
um bardo bêbado
no fundo do bar
olhando pro nada
e pensando que é o
mar
no tumulto da vida –
o túmulo
requiescat in pace
& não volte
jamais
A Biblioteca de Thorvald Boeck
(Backer Harriet:
pintor norueguês)
Referência:
ÁVILA, Carlos. Túmulo do poeta
desconhecido. In: DANIEL, Claudio; BARBOSA, Frederico (Organização, Seleção e
Notas). Na virada do século: poesia
de invenção no Brasil. São Paulo, SP: Landy, 2007. p. 96.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário