Eis uma invocação para que nos afastemos da materialidade pura e
simples, visando ao alcance da essência mesma da iluminação, tornando-nos mais
próximos da realidade incorpórea da poesia, ela que transita também pelas
sensações da visão e da audição, melhor ainda, pelo amarelo rútilo dos
girassóis e pela música que transporta ao reino do desvanecimento.
É no metafórico terreno árido da alma, queimada pelo sol, que o poeta
deseja transplantar algo tão vívido quanto o aludido girassol, com potencial para
conferir relevo às manifestações do plano espiritual, em detrimento das forças
orgânicas do corpo físico, o qual, com a idade, avança para a consumação de
suas funções.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
Portami il girasole ch’io lo trapianti
Portami il girasole
ch’io lo trapianti
nel mio terreno
bruciato dal salino,
e mostri tutto il
giorno agli azzurri specchianti
del cielo l’ansietà
del suo volto giallino.
Tendono alla chiarità
le cose oscure,
si esauriscono i
corpi in un fluire
di tinte: queste in
musiche. Svanire
è dunque la ventura
delle venture.
Portami tu la pianta
che conduce
dove sorgono bionde
trasparenze
e vapora la vita
quale essenza;
portami il girasole
impazzito di luce.
O pintor de girassóis
(Paul Gauguin: pintor
francês)
Traz-me o girassol que eu o transplante
Traz-me o girassol
que eu o transplante
no meu terreno
queimado de maresia,
e a ansiedade de sua
face amarela mostre
aos azuis brilhantes
do céu todo dia.
Tendem à claridade as
coisas obscuras,
exaurem-se os corpos
num decorrer
de tintes: esses em
música. Esvaecer
é portanto a ventura
das desventuras.
Traz-me tu a planta
que conduz
aonde surgem louras
de transparências
e evapora-se a vida
como essência;
traz-me o girassol
enlouquecido de luz.
Referências:
MONTALE, Eugenio. Portami il girasole ch’io
lo trapianti / Traz-me o girassol que eu o transplante. Tradução de Renato
Xavier. In: __________. Ossos de sépia.
Tradução, prefácio e notas de Renato Xavier. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, jan. 2002. Em italiano: p. 76; em português: p. 77. (Coleção “Prêmio
Nobel”)
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