Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 5 de março de 2018

Nestor Vítor - Confissão de Sêneca ‎

Tudo se passa neste poema como se fossem elucubrações do pensador romano, já em idade avançada, dirigindo-se aos jovens que mal entraram na idade adulta, ao mesmo tempo cândidos e levianos, para falar-lhes sobre o que é o transcurso completo da juventude à velhice, com as suas contingências e percalços.

O tema, a bem dizer, aparece em muitos escritos de Sêneca, a exemplo do excerto a seguir, extraído da obra “Da Brevidade da Vida”, o qual traduzo livremente da versão espanhola a que faço menção no campo de referências, ao final desta postagem:

Os postos, os monumentos, tudo o que a ambição impôs com seus decretos ou construiu com suas obras, rapidamente desmorona, nada deixa de ruir e de ser removido sob o peso prolongado dos anos; por outro lado, não se podem causar danos às coisas que a sabedoria imortalizou; nenhuma idade as apagará, nenhuma as minimizará; a seguinte, e a que sempre virá, logo contribuirão com algo a se venerar, haja vista que, seguramente, a inveja está à espreita e com mais sinceridade admiramos o que está mais distante. A vida do sábio, portanto, é muito extensa, não a cingem os mesmos limites que balizam a vida dos demais: somente ele se libera das leis do gênero humano, todos os séculos estão a seu serviço como a um deus. Se algo se distancia no tempo, ele o capta com a memória; se está adiante, emprega-o; se ainda ocorrerá, antecipa-o. Alonga-lhe a vida a reunião de todos os tempos em um só apenas. (SÉNECA, 2008, p. 405-406)

J.A.R. – H.C.

Nestor Vítor
(1868-1932)

Confissão de Sêneca

Se vós soubésseis, jovens orgulhosos
E iníquos, para que serve ficar-se velho!
– Para ser o perdão desses pecaminosos
Que condenamos... O Conselho
Contrário aos gestos inconsiderados
Que o desamor à vida, o amor às atitudes
Inspira... Os vasquejos cansados (1)
Da força cega, de heroísmos rudes...
A conciliação
Ignóbil, quase,
Com homens e elementos circunstantes...
A triste conformidade
Que tem por base
Desilusões às mil, das mil ilusões de antes...
Se soubésseis que as rugas e os gilvazes (2)
Ora podem falar, é certo,
De um golpe recebido em combates tenazes
E nobres, ou então de um sofrer encoberto,
Atroz, injusto, mas também que tantas
Delas e uns poucos deles
Nada trazem de origens santas,
Sim de carnais espasmos ou daqueles
Recontros ignorados que há na vida (3)
Do melhor dentre nós... (Vede, ele cora
Tão somente à lembrança sugerida
Dessas coisas agora...)
Se soubésseis, eu digo, criaturas
Ainda um pouco incriadas,
Intatas formosuras
Afogueadas
Pela convicção falaz do permanente,
E do completo, e do ideal,
Que subsistir,
Inevitavelmente,
É fazer liga até com o próprio mal,
É ceder ao que tem de vir,
De certo aspecto, pois, é pior que morrer;
Entediados dos futuros anos,
Vos odiareis no que haveis de ser,
Vos odiareis cândidos e levianos...

(Revista “Festa”, n° 4)

Velho usando um barrete vermelho
(Gyzis Nikolaos: pintor grego)

Elucidário:

(1) – Vasquejo: convulsão, agonia, agitação;
(2) – Gilvaz: golpe fundo, ou cicatriz de golpe, na face;
(3) – Recontro: embate, peleja, luta, conflito.

Referências:

SÉNECA. Diálogos. Introducciones, traducción y notas de Juan Mariné Isidro. 1. ed., 2. reimp. Madrid, ES: Editorial Gredos, 2008.

VÍTOR, Nestor. Confissão de Sêneca. In: __________. Prosa e poesia. Por Tasso da Silveira. Rio de Janeiro, GB: Agir, 1963. p. 107-108. (Coleção “Nossos Clássicos”; n. 74)

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