Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 7 de março de 2018

Victor Hugo - Um poeta é um mundo

Pleno de referências a autores da grande literatura e do teatro, assim como a seus mais proeminentes personagens, este belo poema do escritor francês retrata o poeta em aguda comunhão com a natureza, que a tudo se amolda para acolher este filho bem amado, um visionário a atrair a admiração daqueles que se dedicam a apreciar o belo sob a forma de palavras.

Ora bem: o poeta é um mundo confinado num homem, haja vista que em sua intuição jaz a lógica oculta da existência e de sua misteriosa mecânica, plasmada e decifrada num texto, grafado ao se abrir a porta do templo deste imenso santuário que é o universo.

J.A.R. – H.C.

Victor Hugo
(1802-1885)

Un poète est un monde

Un poète est un monde enfermé dans un homme.
Plaute en son crâne obscur sentait fourmiller Rome;
Mélésigène, aveugle et voyant souverain
Dont la nuit obstinée attristait l’œil serein,
Avait en lui Calchas, Hector, Patrocle, Achille;
Prométhée enchaîné remuait dans Eschyle;
Rabelais porte un siècle; et c’est la vérité
Qu’en tout temps les penseurs couronnés de clarté,
Les Shakspeares féconds et les vastes Homères,
Tous les poëtes saints, semblables à des mères,
Ont senti dans leurs flancs des hommes tressaillir,
Tous, l’un le roi Priam et l’autre le roi Lear.
Leur fruit croît sous leur front comme au sein de la femme.
Ils vont rêver aux lieux déserts; ils ont dans l’âme
Un éternel azur qui rayonne et qui rit;
Ou bien ils sont troublés, et dans leur sombre esprit
Ils entendent rouler des chars pleins de tonnerres.
Ils marchent effarés, ces grands visionnaires.
Ils ne savent plus rien, tant ils vont devant eux,
Archiloque appuyé sur l’iambe boiteux,
Euripide écoutant Minos, Phèdre et l’inceste.
Molière voit venir à lui le morne Alceste,
Arnolphe avec Agnès, l’aube avec le hibou,
Et la sagesse en pleurs avec le rire fou.
Cervantes pâle et doux cause avec don Quichotte;
À l’oreille de Job Satan masqué chuchote;
Dante sonde l’abîme en sa pensée ouvert;
Horace voit danser les faunes à l’œil vert;
Et Marlow suit des yeux au fond des bois l’émeute
Du noir sabbat fuyant dans l’ombre avec sa meute.

Alors, de cette foule invisible entouré,
Pour la création le poète est sacré.
L’herbe est pour lui plus molle et la grotte plus douce;
Pan fait plus de silence en marchant sur la mousse;
La nature, voyant son grand enfant distrait,
Veille sur lui; s’il est un piége en la forêt,
La ronce au coin du bois le tire par la manche
Et dit: Ne va pas là! Sous ses pieds la pervenche
Tressaille; dans le nid, dans le buisson mouvant,
Dans la feuille, une voix, vague et mêlée au vent,
Murmure: – C’est Shakspeare et Macbeth! − C’est Molière
Et don Juan! – C’est Dante et Béatrix! – Le lierre
S’écarte, et les halliers, pareils à des griffons,
Retirent leur épine, et les chênes profonds,
Muets, laissent passer sous l’ombre de leurs dômes
Ces grands esprits parlant avec ces grands fantômes.

O Poeta
(Pablo Picasso: pintor espanhol)

Um poeta é um mundo

Um poeta é um mundo confinado num homem.
Plauto em seu crânio obscuro sentia Roma formigar;
Melesígenes, cego e soberano vidente,
A quem a noite obstinada contristava o olhar sereno,
Tinha dentro de si Calcas, Heitor, Pátroclo e Aquiles;
Prometeu acorrentado revolvia em Ésquilo;
Rabelais traz um século consigo; e daí a verdade
Que desde sempre os pensadores dotados de clareza,
Os Shakespeares férteis e os vastos Homeros,
Todos os santos poetas, à semelhança das mães,
Têm sentido o agitar de muitos homens em seus flancos,
Todos, nestes o rei Príamo e naqueles o rei Lear.
Seu fruto cresce sob a fronte como no ventre da mulher.
Eles sonham com lugares desertos, tendo em suas almas
Um azul eterno que resplandece e sorri;
Ou então inquietos estão, e em seu espírito sombrio
Tencionam fazer rolar tanques cheios de trovões.
Esses grandes visionários são dominados pelo assombro.
Tão adiante eles vão, que de mais nada se dão conta,
Arquíloco apoiado sobre o iambo claudicante,
Eurípedes dando ouvidos a Minos, a Fedra e ao incesto.
Molière vê à sua volta o taciturno Alceste,
Arnolfo com Inês, o alvorecer com o mocho,
E a sabedoria em prantos com o riso insano.
Cervantes brando e pálido conversa com Dom Quixote;
Ao ouvido de Jó, Satã disfarçado sussurra;
Dante sonda o abismo com a sua mente aberta;
Horácio vê os faunos de olhos verdes a dançar,
E Marlowe perscruta no fundo da floresta o tumulto
Do sábado negro a se dispersar no breu com sua matilha.

Assim, pois, rodeado por essa invisível multidão,
Para o ato criador o poeta está consagrado.
A relva é mais macia para ele e a gruta mais amena;
Quando caminha sobre o musgo, Pã acentua o silêncio;
A natureza, ao ver distraído o seu grande menino,
Vela por ele; e se houver uma armadilha na floresta,
A sarça de um canto da ramagem puxa-o pela manga
E lhe diz: Não vá por aí. Sob seus pés a pervinca
Estremece; e no ninho, no arbusto que se agita,
Na folha, uma voz, vaga e mesclada ao vento,
Cicia: – Estes são Shakespeare e Macbeth! – Aqueles,
Molière e Don Juan! – Aqueloutros, Dante e Beatriz!
 – E assim a hera se afasta, as moitas, como grifos,
Retraem os seus espinhos, e os carvalhos enormes,
Silentes, deixam passar sob a sombra de suas copas
Esses grandes espíritos a confabular com seus fantasmas.

Referência:

HUGO, Victor. XLVII – Un poète est un monde. In: __________. L’oeuvre de Victor Hugo, t. 56. La légende des siècles, n. 12. Paris, FR: Publications Jules Rouff et Cie., 1880. p. 57-58. Disponível neste endereço.

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