Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 4 de março de 2018

Robert Lowell - Homem e Esposa ‎

Ao verter ao português o presente poema de Lowell, pude perceber as razões pelas quais o poeta intitulou-o “Homem e Esposa”, em vez de “Marido e Esposa”: de fato, narra-se em seus versos um casamento agitado, sob o mar túrgido dos eventos que se sucederam antes e depois do matrimônio, tudo por meio de um enfoque distanciado da condição de consorte, senão de um adulto que se atém ao bom relacionamento encetado quando era apenas um pretendente, um noivo talvez, mas não um cônjuge.

Relata-se um processo de desintegração mental da esposa, ou melhor, de abatimento clínico – àquela altura tratado com o tranquilizante “Miltown” –, conjugado a episódios de bebedeira do epigrafado “homem”, com degeneração provável a um divórcio de corpo e alma entre os parceiros em pleno relacionamento: se antes ele se desvanecia aos pés da amada, agora ela lhe dá as costas, e tudo aponta para a inexorável ruptura.

J.A.R. – H.C.

Robert Lowell
(1917-1977)

Man and Wife

Tamed by Miltown, we lie on Mother’s bed;
the rising sun in war paint dyes us red;
in broad daylight her gilded bed-posts shine,
abandoned, almost Dionysian.
At last the trees are green on Marlborough Street,
blossoms on our magnolia ignite
the morning with their murderous five days’ white.
All night I’ve held your hand,
as if you had
a fourth time faced the kingdom of the mad –
its hackneyed speech, its homicidal eye –
and dragged me home alive... Oh my Petite,
clearest of all God’s creatures, still all air and nerve:
you were in your twenties, and I,
once hand on glass
and heart in mouth,
outdrank the Rahvs in the heat
of Greenwich Village, fainting at your feet –
too boiled and shy
and poker-faced to make a pass,
while the shrill verve
of your invective scorched the traditional South.

Now twelve years later, you turn your back.
Sleepless, you hold
your pillow to your hollows like a child;
your old-fashioned tirade –
loving, rapid, merciless –
breaks like the Atlantic Ocean on my head.

Marido e Esposa
(Lorenzo Lotto: artista italiano)

Homem e Esposa

Domados pelo ansiolítico, deitamo-nos no leito de mamãe;
o sol nascente na pintura de guerra nos tinge de vermelho;
em plena luz do dia brilham os suportes dourados da cama,
abandonados, quase dionisíacos.
Afinal as árvores estão verdes na Rua Marlborough,
as flores em nossas magnólias acendem
as manhãs com o branco de seus torturantes cinco dias.
Por toda a noite segurei tua mão,
como se houvesses
enfrentado pela quarta vez o reino da loucura –
seu discurso vulgar, seu olhar homicida –
e me arrastaste vivo para casa... Oh, minha Pequena,
a mais diáfana de todas as criaturas de Deus, toda ainda
     ar e nervo:
tinhas vinte e poucos anos, e eu,
certa vez com o copo na mão
e o coração na boca,
bebi mais que os Rabinos sob o calor
de Greenwich Village, desfalecendo aos teus pés –
tão bêbado e inseguro
e sem expressão para dar um passo,
enquanto que a verve estridulante
de tua invectiva crestava o Sul tradicionalista.

Agora, doze anos depois, viraste as costas.
Insone, apertas
o travesseiro contra o ventre, como uma criança;
tua ultrapassada diatribe –
amorosa, rápida, inclemente –
retumba em minha cabeça como o Oceano Atlântico.

Referência:

LOWELL, Robert. Man and wife. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 9-10.

Nenhum comentário:

Postar um comentário