Ao verter ao português o presente poema de Lowell, pude perceber as
razões pelas quais o poeta intitulou-o “Homem e Esposa”, em vez de “Marido e
Esposa”: de fato, narra-se em seus versos um casamento agitado, sob o mar túrgido
dos eventos que se sucederam antes e depois do matrimônio, tudo por meio de um
enfoque distanciado da condição de consorte, senão de um adulto que se atém ao
bom relacionamento encetado quando era apenas um pretendente, um noivo talvez,
mas não um cônjuge.
Relata-se um processo de desintegração mental da esposa, ou melhor, de abatimento
clínico – àquela altura tratado com o tranquilizante “Miltown” –, conjugado a
episódios de bebedeira do epigrafado “homem”, com degeneração provável a um
divórcio de corpo e alma entre os parceiros em pleno relacionamento: se antes
ele se desvanecia aos pés da amada, agora ela lhe dá as costas, e tudo aponta
para a inexorável ruptura.
J.A.R. – H.C.
Robert Lowell
(1917-1977)
Man and Wife
Tamed by Miltown, we
lie on Mother’s bed;
the rising sun in war
paint dyes us red;
in broad daylight her
gilded bed-posts shine,
abandoned, almost
Dionysian.
At last the trees are
green on Marlborough Street,
blossoms on our
magnolia ignite
the morning with
their murderous five days’ white.
All night I’ve held
your hand,
as if you had
a fourth time faced
the kingdom of the mad –
its hackneyed speech,
its homicidal eye –
and dragged me home
alive... Oh my Petite,
clearest of all God’s
creatures, still all air and nerve:
you were in your
twenties, and I,
once hand on glass
and heart in mouth,
outdrank the Rahvs in
the heat
of Greenwich Village,
fainting at your feet –
too boiled and shy
and poker-faced to
make a pass,
while the shrill
verve
of your invective
scorched the traditional South.
Now twelve years
later, you turn your back.
Sleepless, you hold
your pillow to your
hollows like a child;
your old-fashioned
tirade –
loving, rapid,
merciless –
breaks like the
Atlantic Ocean on my head.
Marido e Esposa
(Lorenzo Lotto:
artista italiano)
Homem e Esposa
Domados pelo ansiolítico,
deitamo-nos no leito de mamãe;
o sol nascente na
pintura de guerra nos tinge de vermelho;
em plena luz do dia
brilham os suportes dourados da cama,
abandonados, quase
dionisíacos.
Afinal as árvores
estão verdes na Rua Marlborough,
as flores em nossas
magnólias acendem
as manhãs com o
branco de seus torturantes cinco dias.
Por toda a noite
segurei tua mão,
como se houvesses
enfrentado pela
quarta vez o reino da loucura –
seu discurso vulgar,
seu olhar homicida –
e me arrastaste vivo
para casa... Oh, minha Pequena,
a mais diáfana de
todas as criaturas de Deus, toda ainda
ar e nervo:
tinhas vinte e poucos
anos, e eu,
certa vez com o copo
na mão
e o coração na boca,
bebi mais que os
Rabinos sob o calor
de Greenwich Village,
desfalecendo aos teus pés –
tão bêbado e inseguro
e sem expressão para
dar um passo,
enquanto que a verve
estridulante
de tua invectiva
crestava o Sul tradicionalista.
Agora, doze anos
depois, viraste as costas.
Insone, apertas
o travesseiro contra o
ventre, como uma criança;
tua ultrapassada
diatribe –
amorosa, rápida, inclemente
–
retumba em minha
cabeça como o Oceano Atlântico.
Referência:
LOWELL, Robert. Man and wife. In:
McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book
of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 9-10.
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