Aos olhos do poeta a vida é triste, ainda que bela. E somente no refúgio
da arte um pouco de azul logra firmar-se no firmamento: é que a saudade e a
tristeza consomem-no e, para mitigá-las, lança ele mão da poética, com que tece
versos à amada, já que não é capaz de lhe dar ouro ou gemas.
“Ostra feliz não faz pérola”, repito-o, já quase me apropriando em
definitivo da máxima de Rubem Alves: pior se os versos que o poeta imagina não
lhe trouxerem nenhum contentamento, tal como naquele excerto do poema “Marcha” da Cecília
Meireles! Seria como a oclusão do espírito, que já não encontraria serenidade nem
no diálogo interno nem nas manifestações ou fenômenos que lhe são exógenos...
J.A.R. – H.C.
Gustavo de Paula Teixeira
(1881-1937)
Refúgio da Arte
Quando a saudade me
aperta
O coração que
suspira,
Confio as mágoas à
lira,
Boa amiga da hora
incerta.
Com os olhos em névoa
imersos,
Na tristeza que me
invade,
Eu não domino a
vontade
De tudo exprimir em
versos.
E a estrofe que em
meu recanto
Componho ao sol que
declina,
É uma concha onde em
surdina
Se ouve um murmúrio
de pranto...
Ouro não tendo nem
gemas
Para depor no teu
colo,
Da pobreza eu me
consolo
Dando-te poemas e
poemas.
E na ânsia que me
consome
De bordar uma
obra-prima,
Na estrela d’Alva da
rima
Faço brilhar o teu
nome.
Com versos – apenas
quatro –
Preparo a flórea
moldura
Em que esplende a
fronte pura
Que mais que tudo
idolatro.
A vida é bela, mas
triste;
Flores e espinhos
reparte.
É só no refúgio da
Arte
Que um pouco de azul
existe.
Em: “Colar de Rimas”
A Criança Doente
(Edvard Munch: pintor
norueguês)
Referência:
TEIXEIRA, Gustavo. Refúgio da arte. In:
__________. Poesias completas.
Prefácio de Cassiano Ricardo. São Paulo, SP: Anhambi, 1959. p. 396-397.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário