Alguns poemas de outros autores bem que poderiam ter sido escritos por
mim, enorme é a identidade entre o que sou e aquilo que expressam. Vejam este:
o prazer de caminhar por onde, de fato, me sinta satisfeito, e não por onde me
ordenam “vem por aqui!”.
Reconheço que, às vezes, a escolha do caminho alternativo, em muitas de
minhas decisões, levou-me a pontos onde não esperava chegar ou, ainda, foi mera
pirraça para troçar com alguém. Mas o certo é que minhas deliberações, na
maioria das vezes, caminham em direção àquilo que considero correto. Claro está:
sob o meu ponto de vista!
E escolher este ou aquele rumo faz toda a diferença no resultado final,
tal como o observa o também poeta Robert Frost, em “The Road not Taken” (“O
Caminho não Trilhado”), objeto desta postagem no
bloguinho.
J.A.R. – H.C.
José Régio
(1901-1969)
Cântico Negro
“Vem por aqui” –
dizem-me alguns com os olhos doces,
Estendendo-me os
braços, e seguros
De que seria bom que
eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem
por aqui!”.
Eu olho-os com olhos
lassos,
(Há, nos olhos meus,
ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por
ali...
A minha glória é
esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar
ninguém.
– Que eu vivo com o
mesmo sem-vontade
Com que rasguei o
ventre à minha mãe.
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus
próprios passos...
Se ao que busco saber
nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem
por aqui!”?
Prefiro escorregar
nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos
ventos,
Como farrapos,
arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar
florestas virgens,
E desenhar meus
próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não
vale nada.
Como, pois, sereis
vós
Que me dareis
impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os
meus obstáculos?...
Corre, nas vossas
veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é
fácil!
Eu amo o Longe e a
Miragem,
Amo os abismos, as
torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins,
tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes
tetos,
E tendes regras, e
tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha
Loucura!
Levanto-a, como um
facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e
sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que
guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai,
todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca
principio nem acabo,
Nasci do amor que há
entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê
piedosas intenções,
Ninguém me peça
definições!
Ninguém me diga: “vem
por aqui”!
A minha vida é um
vendaval que se soltou.
É uma onda que se
alevantou,
É um átomo a mais que
se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
– Sei que não vou por
aí!
Cruzamentos
(George Schill: artista
norte-americano)
Referência:
RÉGIO, José. Cântico negro. In:
__________. Poemas de deus e do diabo.
4. ed. Lisboa, PT: Portugália, 1955. p. 108-110.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário