Grande poeta tanto quanto o pai, uma das figuras máximas do simbolismo
brasileiro, Alphonsus Filho discorre neste soneto, em talentosa reflexão, sobre
o ato próprio de se apreender a poesia em palavras, ela que nos permite
reinventar o dia, partindo do sonho e dele, paradoxalmente, deslembrando.
Tem a poesia, segundo o vate, a mesma natureza das flores, cuja beleza
se exterioriza em secreta palpitação, aproximando-nos de outros céus onde
disperso está o amor, para logo mais fenecerem expostas ao vento – força
natural para a qual acabam por se submeter em sua fragilidade.
J.A.R. – H.C.
Alphonsus de Guimaraens Filho
(1870-1921)
Poesia e Origem
O pólen de ouro que
arde no recesso
das corolas, no
segredo dos pistilos;
a visão musical de
outros tranquilos
céus onde o amor
esteve (ou está) disperso;
a secreta palpitação
de uma beleza
mais casta, de uma
luz que se anuncia,
trazem-me a sensação
do próprio dia,
numa contemplação que
é mais certeza.
Certeza? antes, o
supremo encantamento
de quem renasce com
as manhãs, em luminosa
plenitude, e as vê
morrer, frágeis, ao vento.
A poesia é o dia
reinventado.
E nós, que tanto
sonhamos ao criá-la,
não nos lembramos
mais de haver sonhado.
Em: “O Mito e o Criador” (1954)
Natureza-Morta Floral
(Szechenyi I. V.
Szidonia: artista húngaro)
Referência:
GUIMARAENS FILHO, Alphonsus de. Poesia
e origem. In: FIGUEIREDO, José Valle de (Compilador). Antologia da poesia brasileira. Lisboa, PT: Editorial Verbo, s/d
[197?]. p. 192.
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