Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Wallace Stevens - Predomínio do Negro

Neste poema que evolui num ciclo de repetições, Stevens parece se referir à finitude de tudo quanto na terra existe, mesmo a atingir uma árvore como o abeto, gênero de conífera que, sendo perene mesmo em face das estações do ano, é confrontada com a anual substituição das penas dos pavões.

Temos aí um cotejo entre a dominação do negro – a onipresença da morte em nossas existências e seu insolúvel mistério –, e a busca da imortalidade, simbolizada pelo grito dos pavões, um dos recursos empregados pelo poeta para elevar o seu poema ao nível da transcendência. Mas veja, leitor, que o título do poema não nos deixa confortáveis...

P.s.: Outra tradução mais conforme à literalidade do texto de Stevens, atribuída a Alberto Pimenta e Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, autores portugueses, pode ser consultada neste endereço.

J.A.R. – H.C.

Wallace Stevens
(1879-1955)

Domination of Black

At night, by the fire,
The colors of the bushes
And of the fallen leaves,
Repeating themselves,
Turned in the room,
Like the leaves themselves
Turning in the wind.
Yes: but the color of the heavy hemlocks
Came striding.
And I remembered the cry of the peacocks.

The colors of their tails
Were like the leaves themselves
Turning in the wind,
In the twilight wind.
They swept over the room,
Just as they flew from the boughs of the hemlocks
Down to the ground.
I heard them cry – the peacocks.
Was it a cry against the twilight
Or against the leaves themselves
Turning in the wind,
Turning as the flames
Turned in the fire,
Turning as the tails of the peacocks
Turned in the loud fire,
Loud as the hemlocks
Full of the cry of the peacocks?
Or was it a cry against the hemlocks?

Out of the window,
I saw how the planets gathered
Like the leaves themselves
Turning in the wind.
I saw how the night came,
Came striding like the color of the heavy hemlocks
I felt afraid.
And I remembered the cry of the peacocks.

In: “Harmonium: 1923-1931”

O idílio dos pavões
(Susy Soulies: artista norte-americana)

Predomínio do Negro

À noite, ao pé do fogo,
As cores dos arbustos
E das folhas no chão
Giravam no quarto
E se repetiam,
Como as próprias folhas
Girando no vento.
Sim: mas a cor intensa dos açafrões
Invadiu o quarto.
E então lembrei o grito dos pavões.

As cores de suas caudas
Eram como as próprias folhas
Girando no vento,
Girando no poente.
Voaram para dentro,
Ao serem varridas dos ramos dos açafrões
E jogadas no chão.
Ouvi-os gritar – os pavões.
Seria um grito contra o poente
Ou contra a cor das folhas
Girando cm o vento,
Girando como as chamas
Giravam no fogo,
Girando como as caudas dos pavões
Giravam no fogo estridente,
Estridente como os açafrões
Cheios de gritos de pavões?
Ou era um grito contra os açafrões?

Pela janela,
Vi os planetas se juntarem
Como as próprias folhas
Girando no vento.
Vi a noite chegar,
Invadindo o quarto, como a cor intensa dos açafrões.
E tive medo.
E então lembrei o grito dos pavões.

Referência:

STEVENS, Wallace. Domination of Black / Predomínio do negro. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e introdução de Paulo Henriques Britto. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 18 e 20; em português: p. 19 e 21.

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