Quem, ao ler este poema, vazado em nítido tom clássico lusitano, nele
não perceberia a influência camoniana, quer na forma quer na temática, embora a
conceber o amor como resultante de um jogo não exatamente antitético de
contentamento e dor – como no famoso soneto do vate lusitano –, mas tão somente
de tormento?!
E como exemplo maior de tormento sublimado pelo amor, o poeta alude ao
experimentado por Cristo em sua crucifixão, com o mesmo tom canonizado pelo Evangelho
de João: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo
13,1).
J.A.R. – H.C.
José Albano
(1882-1923)
Amar é desejar o sofrimento
Amar é desejar o
sofrimento
e contentar-se só de
ter sofrido
sem um suspiro vão,
sem um gemido,
no mal mais doloroso
e mais cruento.
É vagar desta vida
tão isento
e deste mundo enfim
tão esquecido,
é pôr o seu cuidar
num só sentido
e todo o seu sentir
num só tormento.
É nascer qual humilde
carpinteiro,
de rudes pescadores
rodeado,
caminhando ao
suplício derradeiro.
É viver sem carinho
nem agrado,
é ser enfim vendido
por dinheiro,
e entre ladrões
morrer crucificado.
Separação
(Justin Kunz: artista
norte-americano)
Referência:
ALBANO, José. Amar é desejar o
sofrimento. In: FIGUEIREDO, José Valle de (Compilador). Antologia da poesia brasileira. Lisboa, PT: Editorial Verbo, s/d
[197?]. p. 75.
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