Já se foram, aqui, tantas tentativas de se conceituar o que seja a
poesia. Mas ela resiste a qualquer investida de quem dela busca se aproximar, lançando
os poetas na indefinição de seus labirintos, para que ali se desencaminhem.
Mas veja o leitor como Neruda se põe a narrar como a poesia se tornou
sua tão íntima companheira. Como a um atleta, que no começo da carreira chama a
pelota por “V.Sa.” – com todo o respeito! –, mas que com o passar dos anos
passa a tratá-la simplesmente por “tu”.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Oda a la Poesía
Cerca de cincuenta
años
caminando
contigo, Poesía.
Al principio
me enredabas los pies
y caía de bruces
sobre la tierra
oscura
o enterraba los ojos
en la charca
para ver las
estrellas.
Más tarde te ceñiste
a mí con los dos
brazos de la amante
y subiste
en mi sangre
como una enredadera.
Luego
te convertiste
en copa.
Hermoso
fue
ir derramándote sin
consumirte,
ir entregando tu agua
inagotable,
ir viendo que una
gota
caída sobre un
corazón quemado
y desde sus cenizas
revivía.
Pero no me bastó
tampoco.
Tanto anduve contigo
que te perdí el
respeto.
Dejé de verte como
náyade vaporosa
te puse a trabajar de
lavandera,
a vender pan en las
panaderías,
a hilar con las
sencillas tejedoras,
a golpear hierros en
la metalurgia.
Y seguiste conmigo
andando por el mundo,
pero tú ya no eras
la florida
estatua de mi
infancia.
Hablabas
ahora
con voz férrea.
Tus manos
fueron duras como
piedras.
Tu corazón
fue un abundante
manantial de
campanas,
elaboraste pan a
manos llenas,
me ayudaste a no caer
de bruces,
me buscaste
compañía,
no una mujer,
no un hombre,
sino miles, millones.
Juntos, Poesía,
fuimos
al combate, a la
huelga,
al desfile, a los
puertos,
a la mina,
y me reí cuando
saliste
con la frente
manchada de carbón
o coronada de
aserrrín fragante
de los aserraderos.
Y no dormíamos en los
caminos.
Nos esperaban grupos
de obreros con
camisas
recién lavadas y
banderas rojas.
Y tú, Poesía,
antes tan
desdichadamente tímida,
a la cabeza
fuiste
y todos
se acostumbraron a tu
vestidura
de estrella
cotidiana,
porque aunque algún
relámpago delató tu familia
cumpliste tu tarea,
tu paso entre los
pasos de los hombres.
Yo te pedí que fueras
utilitaria y útil,
como metal o harina,
dispuesta a ser
arado,
herramienta,
pan y vino,
dispuesta, Poesía,
a luchar cuerpo a
cuerpo
y a caer
desangrándote.
Y ahora,
Poesía,
gracias, esposa,
hermana o madre
o novia,
gracias, ola marina,
azahar y bandera,
motor de música,
largo pétalo de oro,
campana submarina,
granero
inextinguible,
gracias,
tierra de cada uno
de mis días,
vapor celeste y
sangre
de mis años,
porque me acompañaste
desde la más
enrarecida altura
hasta la simple mesa
de los pobres,
porque pusiste en mi
alma
sabor ferruginoso
y fuego frío,
porque me levantaste
hasta la altura
insigne
de los hombres
comunes,
Poesía,
porque contigo
mientras me fui
gastando
tú continuaste
desarrollando tu
frescura firme,
tu ímpetu cristalino,
como si el tiempo
que poco a poco me
convierte en tierra
fuera a dejar
corriendo eternamente
las aguas de mi
canto.
Noite Misteriosa
(Leonid Afremov:
artista israelense)
Ode à Poesia
Perto de cinquenta
anos
caminhando
contigo, Poesia.
A princípio
me emaranhavas os pés
e eu caía de braços
sobre a terra escura
ou enterrava os olhos
na poça
para ver as estrelas.
Mais tarde te
apertaste
a mim com os dois
braços da amante
e subiste
pelo meu sangue
como uma trepadeira.
E logo
te transformaste em
taça.
Maravilhoso
foi
ir derramando-te sem
que te consumisses
ir entregando tua
água inesgotável,
ir vendo que uma gota
caía sobre um coração
queimado
que de suas cinzas revivia.
Mas
ainda não me bastou.
Andei tanto contigo
que te perdi o
respeito.
Deixei de ver-te como
náiade vaporosa,
te pus a trabalhar de
lavadeira,
a vender pão nas
padarias,
a tecer com as
simples tecedoras,
a malhar ferros na
metalurgia.
E seguiste comigo
andando pelo mundo,
contudo já não eras
a florida
estátua de minha
infância.
Falavas
agora
com voz de ferro.
Tuas mãos
foram duras como
pedras.
Teu coração
foi um abundante
manancial de sinos,
produziste pão a mãos
cheias,
me ajudaste
a não cair de bruços,
me deste
companhia,
não uma mulher,
não um homem,
mas milhares,
milhões.
Juntos, Poesia,
fomos
ao combate, à greve,
ao desfile, aos
portos,
â mina
e me ri quando saíste
com a fronte tisnada
de carvão
ou coroada de
serragem cheirosa
das serrarias.
Já não dormíamos nos
caminhos.
Esperavam-nos grupos
de operários com
camisas
recém-lavadas e
bandeiras rubras.
E tu, Poesia,
antes tão
desventuradamente tímida,
foste
na frente
e todos
se acostumaram ao teu
traje
de estréia cotidiana,
porque mesmo se algum
relâmpago delatou tua família,
cumpriste tua tarefa,
teu passo entre os
passos dos homens.
Eu te pedi que fosses
utilitária e útil,
como metal ou
farinha,
disposta a ser arada,
ferramenta,
pão e vinho,
disposta, Poesia,
a lutar corpo-a-corpo
e cair ensanguentada.
E agora, Poesia,
obrigado, esposa,
irmã ou mãe
ou noiva,
obrigado, onda
marinha,
jasmim e bandeira,
motor de música,
longa pétala de ouro,
campana submarina,
celeiro
inextinguível,
obrigado
terra de cada um
de meus dias,
vapor celeste e
sangue
de meus anos,
porque me
acompanhaste
desde a mais diáfana
altura
até a simples mesa
dos pobres,
porque puseste em
minha alma
sabor ferruginoso
e fogo frio,
porque me levantaste
até a altura insigne
dos homens comuns,
Poesia,
porque contigo,
enquanto me fui
gastando,
tu continuaste
desabrochando tua
frescura firme,
teu ímpeto
cristalino,
como se o tempo
que pouco a pouco me
converte em terra
fosse deixar correndo
eternamente
as águas de meu
canto.
Referências:
Em Espanhol
NERUDA, Pablo. Oda a la poesía. In: __________.
Odas elementales. 1. ed. Santiago,
CI: Pehuén Editores, jun.2005. p. 206-211.
Em Português
NERUDA, Pablo. Ode à poesia. Tradução
de Thiago de Mello. In: __________. Antologia
poética. Tradução de Thiago de Mello. Rio de Janeiro, GB: Editora Letras e
Artes, 1964. p. 92-95.
❁
Meu caro J. A. Rodrigues, parabéns pela escolha deste belo poema de Neruda. Mostra toda a sensibilidade do vate chileno, agraciado com o Nobel de Literatura de 1971. Imagino que você tenha o livro do Antologia Poética, da Editora Letras e Artes (1964), com tradução do Thiago de Mello. Queria saber de você: neste livro existe um poema dele em homenagem à cidade de Goiânia? Sou pesquisador de Neruda e ficaria muito contente de ter essa informação. E se tiver, se você puder publicá-lo, seria melhor ainda. Desde já, agradeço a tua atenção.
ResponderExcluirEm Tempo: Sou Francisco Barros, jornalista e professor, de Goiânia. Sou Mestre em Mídia e Cultura, com Dissertação que abordou a vinda de Neruda para Goiânia, em 1954, para participar do I Congresso Nacional de Intelectuais.
Prezado Francisco,
ExcluirDe fato, não possuo o livro de onde transcrevi a tradução de Thiago de Mello para o aludido poema “Ode à Poesia”. Pelo que pude concluir de uma perfunctória pesquisa por meio da internet, o poema no qual Neruda faz menção à cidade de Goiânia intitula-se “Oda al Pájaro Sofré”, cuja versão ao português, do poeta amazonense, consta na supracitada obra, entre as páginas 89 e 91.
A rigor, verificando o sumário do livro em apreço, nenhum outro poema entre os traduzidos por Mello tem título que faça lembrar a capital goiana.
Não sei ao certo se somente a tradução de Thiago de Mello lhe serviria para o referido poema, mas tenho uma outra versão ao português, elaborada por Eliane Zagury, na antologia já várias vezes reeditada e publicada pela José Olympio Editora. Se esta lhe servir, poderei publicá-la no meu blog em pouco tempo ou até mesmo lhe enviar o livro inteiro em pdf, se assim o desejar (p. 163-167, na 10ª edição). Se não, algum esforço adicional terei que envidar, quando então serão necessários alguns dias para vir a publicar a tradução de Mello no blog. Ok?!
Com você a palavra...
Atenciosamente,
João A. Rodrigues
Caro João A. Rodrigues, muito obrigado pela tua atenção e também pelo tempo que dedicou à pesquisa. Já tive acesso ao poema "Ode ao Pássaro Sofrê", em que o poeta faz referência a Goiânia. No entanto, estou empenhado, de fato, em localizar um outro poema em que fala de Goiânia. Tenho por mim que consta desta Antologia Poética, da Editora Letras e Artes, de 1964, que está fora de catálogo. A da José Olympio, traduzida pela Eliane Zagury, realmente, é bem fácil de encontrar. Vou continuar a minha investigação. Agradeço muito a tua ajuda, paciência e parabéns pelo Blog. Estou me deliciando ao ler os poemas que você publica, com observações afiadas e pertinentes. Continue assim.
ExcluirAbraço,
Francisco Barros
Caro Francisco: Muito lhe agradeço pelas palavras. Vou ver se posso lhe ajudar de algum modo. Em alguns poucos dias lhe darei um retorno por aqui. Um abraço. João A. Rodrigues
ExcluirFrancisco: Gostaria de lhe enviar uma cópia eletrônica completa da "Antologia Poética de Pablo Neruda", com a tradução de Thiago de Mello (Letras e Artes, 1964), que consegui há pouco. Desse modo, você poderá elidir as suas dúvidas. Haveria uma conta de e-mail, para que eu possa lhe encaminhar o arquivo? No aguardo...
Excluir(Obs.: Se lhe parecer incômodo, poderei excluir a sua mensagem que contenha o referido e-mail, depois de adotadas as providências. Ok?!)
João A. Rodrigues