Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Pablo Neruda - Ode à Poesia

Já se foram, aqui, tantas tentativas de se conceituar o que seja a poesia. Mas ela resiste a qualquer investida de quem dela busca se aproximar, lançando os poetas na indefinição de seus labirintos, para que ali se desencaminhem.

Mas veja o leitor como Neruda se põe a narrar como a poesia se tornou sua tão íntima companheira. Como a um atleta, que no começo da carreira chama a pelota por “V.Sa.” – com todo o respeito! –, mas que com o passar dos anos passa a tratá-la simplesmente por “tu”.

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

Oda a la Poesía

Cerca de cincuenta años
caminando
contigo, Poesía.
Al principio
me enredabas los pies
y caía de bruces
sobre la tierra oscura
o enterraba los ojos
en la charca
para ver las estrellas.
Más tarde te ceñiste
a mí con los dos brazos de la amante
y subiste
en mi sangre
como una enredadera.
Luego
te convertiste
en copa.

Hermoso
fue
ir derramándote sin consumirte,
ir entregando tu agua inagotable,
ir viendo que una gota
caída sobre un corazón quemado
y desde sus cenizas revivía.
Pero no me bastó tampoco.
Tanto anduve contigo
que te perdí el respeto.
Dejé de verte como
náyade vaporosa
te puse a trabajar de lavandera,
a vender pan en las panaderías,
a hilar con las sencillas tejedoras,
a golpear hierros en la metalurgia.
Y seguiste conmigo
andando por el mundo,
pero tú ya no eras
la florida
estatua de mi infancia.
Hablabas
ahora
con voz férrea.
Tus manos
fueron duras como piedras.
Tu corazón
fue un abundante
manantial de campanas,
elaboraste pan a manos llenas,
me ayudaste a no caer de bruces,
me buscaste
compañía,
no una mujer,
no un hombre,
sino miles, millones.
Juntos, Poesía,
fuimos
al combate, a la huelga,
al desfile, a los puertos,
a la mina,
y me reí cuando saliste
con la frente manchada de carbón
o coronada de aserrrín fragante
de los aserraderos.
Y no dormíamos en los caminos.
Nos esperaban grupos
de obreros con camisas
recién lavadas y banderas rojas.

Y tú, Poesía,
antes tan desdichadamente tímida,
a la cabeza
fuiste
y todos
se acostumbraron a tu vestidura
de estrella cotidiana,
porque aunque algún relámpago delató tu familia
cumpliste tu tarea,
tu paso entre los pasos de los hombres.
Yo te pedí que fueras
utilitaria y útil,
como metal o harina,
dispuesta a ser arado,
herramienta,
pan y vino,
dispuesta, Poesía,
a luchar cuerpo a cuerpo
y a caer desangrándote.

Y ahora,
Poesía,
gracias, esposa,
hermana o madre
o novia,
gracias, ola marina,
azahar y bandera,
motor de música,
largo pétalo de oro,
campana submarina,
granero
inextinguible,
gracias,
tierra de cada uno
de mis días,
vapor celeste y sangre
de mis años,
porque me acompañaste
desde la más enrarecida altura
hasta la simple mesa
de los pobres,
porque pusiste en mi alma
sabor ferruginoso
y fuego frío,
porque me levantaste
hasta la altura insigne
de los hombres comunes,
Poesía,
porque contigo
mientras me fui gastando
tú continuaste
desarrollando tu frescura firme,
tu ímpetu cristalino,
como si el tiempo
que poco a poco me convierte en tierra
fuera a dejar corriendo eternamente
las aguas de mi canto.

Noite Misteriosa
(Leonid Afremov: artista israelense)

Ode à Poesia

Perto de cinquenta anos
caminhando
contigo, Poesia.
A princípio
me emaranhavas os pés
e eu caía de braços
sobre a terra escura
ou enterrava os olhos
na poça
para ver as estrelas.
Mais tarde te apertaste
a mim com os dois braços da amante
e subiste
pelo meu sangue
como uma trepadeira.
E logo
te transformaste em taça.

Maravilhoso
foi
ir derramando-te sem que te consumisses
ir entregando tua água inesgotável,
ir vendo que uma gota
caía sobre um coração queimado
que de suas cinzas revivia.
Mas
ainda não me bastou.
Andei tanto contigo
que te perdi o respeito.
Deixei de ver-te como
náiade vaporosa,
te pus a trabalhar de lavadeira,
a vender pão nas padarias,
a tecer com as simples tecedoras,
a malhar ferros na metalurgia.
E seguiste comigo
andando pelo mundo,
contudo já não eras
a florida
estátua de minha infância.
Falavas
agora
com voz de ferro.
Tuas mãos
foram duras como pedras.
Teu coração
foi um abundante
manancial de sinos,
produziste pão a mãos cheias,
me ajudaste
a não cair de bruços,
me deste
companhia,
não uma mulher,
não um homem,
mas milhares, milhões.
Juntos, Poesia,
fomos
ao combate, à greve,
ao desfile, aos portos,
â mina
e me ri quando saíste
com a fronte tisnada de carvão
ou coroada de serragem cheirosa
das serrarias.
Já não dormíamos nos caminhos.
Esperavam-nos grupos
de operários com camisas
recém-lavadas e bandeiras rubras.

E tu, Poesia,
antes tão desventuradamente tímida,
foste
na frente
e todos
se acostumaram ao teu traje
de estréia cotidiana,
porque mesmo se algum relâmpago delatou tua família,
cumpriste tua tarefa,
teu passo entre os passos dos homens.
Eu te pedi que fosses
utilitária e útil,
como metal ou farinha,
disposta a ser arada,
ferramenta,
pão e vinho,
disposta, Poesia,
a lutar corpo-a-corpo
e cair ensanguentada.

E agora, Poesia,
obrigado, esposa,
irmã ou mãe
ou noiva,
obrigado, onda marinha,
jasmim e bandeira,
motor de música,
longa pétala de ouro,
campana submarina,
celeiro
inextinguível,
obrigado
terra de cada um
de meus dias,
vapor celeste e sangue
de meus anos,
porque me acompanhaste
desde a mais diáfana altura
até a simples mesa
dos pobres,
porque puseste em minha alma
sabor ferruginoso
e fogo frio,
porque me levantaste
até a altura insigne
dos homens comuns,
Poesia,
porque contigo,
enquanto me fui gastando,
tu continuaste
desabrochando tua frescura firme,
teu ímpeto cristalino,
como se o tempo
que pouco a pouco me converte em terra
fosse deixar correndo eternamente
as águas de meu canto.

Referências:

Em Espanhol

NERUDA, Pablo. Oda a la poesía. In: __________. Odas elementales. 1. ed. Santiago, CI: Pehuén Editores, jun.2005. p. 206-211.

Em Português

NERUDA, Pablo. Ode à poesia. Tradução de Thiago de Mello. In: __________. Antologia poética. Tradução de Thiago de Mello. Rio de Janeiro, GB: Editora Letras e Artes, 1964. p. 92-95.

5 comentários:

  1. Meu caro J. A. Rodrigues, parabéns pela escolha deste belo poema de Neruda. Mostra toda a sensibilidade do vate chileno, agraciado com o Nobel de Literatura de 1971. Imagino que você tenha o livro do Antologia Poética, da Editora Letras e Artes (1964), com tradução do Thiago de Mello. Queria saber de você: neste livro existe um poema dele em homenagem à cidade de Goiânia? Sou pesquisador de Neruda e ficaria muito contente de ter essa informação. E se tiver, se você puder publicá-lo, seria melhor ainda. Desde já, agradeço a tua atenção.
    Em Tempo: Sou Francisco Barros, jornalista e professor, de Goiânia. Sou Mestre em Mídia e Cultura, com Dissertação que abordou a vinda de Neruda para Goiânia, em 1954, para participar do I Congresso Nacional de Intelectuais.

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    1. Prezado Francisco,
      De fato, não possuo o livro de onde transcrevi a tradução de Thiago de Mello para o aludido poema “Ode à Poesia”. Pelo que pude concluir de uma perfunctória pesquisa por meio da internet, o poema no qual Neruda faz menção à cidade de Goiânia intitula-se “Oda al Pájaro Sofré”, cuja versão ao português, do poeta amazonense, consta na supracitada obra, entre as páginas 89 e 91.
      A rigor, verificando o sumário do livro em apreço, nenhum outro poema entre os traduzidos por Mello tem título que faça lembrar a capital goiana.
      Não sei ao certo se somente a tradução de Thiago de Mello lhe serviria para o referido poema, mas tenho uma outra versão ao português, elaborada por Eliane Zagury, na antologia já várias vezes reeditada e publicada pela José Olympio Editora. Se esta lhe servir, poderei publicá-la no meu blog em pouco tempo ou até mesmo lhe enviar o livro inteiro em pdf, se assim o desejar (p. 163-167, na 10ª edição). Se não, algum esforço adicional terei que envidar, quando então serão necessários alguns dias para vir a publicar a tradução de Mello no blog. Ok?!
      Com você a palavra...
      Atenciosamente,
      João A. Rodrigues

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    2. Caro João A. Rodrigues, muito obrigado pela tua atenção e também pelo tempo que dedicou à pesquisa. Já tive acesso ao poema "Ode ao Pássaro Sofrê", em que o poeta faz referência a Goiânia. No entanto, estou empenhado, de fato, em localizar um outro poema em que fala de Goiânia. Tenho por mim que consta desta Antologia Poética, da Editora Letras e Artes, de 1964, que está fora de catálogo. A da José Olympio, traduzida pela Eliane Zagury, realmente, é bem fácil de encontrar. Vou continuar a minha investigação. Agradeço muito a tua ajuda, paciência e parabéns pelo Blog. Estou me deliciando ao ler os poemas que você publica, com observações afiadas e pertinentes. Continue assim.
      Abraço,
      Francisco Barros

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    3. Caro Francisco: Muito lhe agradeço pelas palavras. Vou ver se posso lhe ajudar de algum modo. Em alguns poucos dias lhe darei um retorno por aqui. Um abraço. João A. Rodrigues

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    4. Francisco: Gostaria de lhe enviar uma cópia eletrônica completa da "Antologia Poética de Pablo Neruda", com a tradução de Thiago de Mello (Letras e Artes, 1964), que consegui há pouco. Desse modo, você poderá elidir as suas dúvidas. Haveria uma conta de e-mail, para que eu possa lhe encaminhar o arquivo? No aguardo...
      (Obs.: Se lhe parecer incômodo, poderei excluir a sua mensagem que contenha o referido e-mail, depois de adotadas as providências. Ok?!)
      João A. Rodrigues

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