A obra de onde extraí o poema de hoje talvez seja uma referência para os
que acreditam em vivências sequentes sobre a terra, para purgar o espírito de
todas as forças maléficas, assim como propugna, v.g., o Hinduísmo, o Budismo ou
mesmo o Espiritismo.
Veja-se que o poema de Múcio torna manifesta a ideia de que a vivência
presente é afetada pelas experiências de vidas passadas, numa relação de causa
e efeito para as ações que sejam adotadas com boas ou más intenções, cenário esse
que comporta iniludíveis especulações éticas.
J.A.R. – H.C.
Múcio Teixeira
(1857-1926)
O Karma
A Natureza não pode escravizar a Alma
que obtém o Poder por meio da
Sabedoria,
e em ambos emprega a Lei do Karma, que
nos conduz à Verdade.
(Helena Blavatski)
O Deus da Teosofia
Não é esse das seitas
religiosas,
Que dorme noite e dia
Nas áreas luminosas
Das antigas mesquitas
maometanas,
Ou das modernas
catedrais romanas.
Força motriz dos
múltiplos sistemas
Que dirigem os vultos
planetários,
É a vibração, que
despedaça algemas
Na eterna irradiação
dos Setenários.
Essência pura,
primordial, divina,
Desce do Todo à
simples unidade;
E, se a matéria
anima,
Volta de novo à
espiritualidade.
E tanto impele as
simples criaturas
Como equilibra os
astros no infinito,
Por leis evolutivas e
seguras
Do seu poder
universal prescrito.
Pois bem: nós somos
parte desse Todo;
Não o verme do lodo,
Mas a faísca que
partiu da chama
Que este Universo
inflama,
Semeando na amplidão
as nebulosas
Entre as constelações
mais radiosas,
E os errantes cometas
solitários
Que fogem sempre aos
corpos planetários.
Mas no eterno vaivém
das existências,
Restritas da matéria às
contingências,
Desde que o livre arbítrio
nos foi dado,
Temos em nossa mão o
próprio fado.
A lei que determina a
recompensa
Dos males e dos bens
que praticamos,
A lei de causa e efeito,
que aplicamos,
Por lógica permuta
De princípios inatos,
É também aplicada aos
nossos atos,
Desde que o homem
sente, e quer, e pensa,
E pode, e executa.
O homem é senhor do
seu destino;
Mas já que tem
tamanha liberdade,
Não deve se queixar
do Ser Divino,
Nem recuar ante a
Fatalidade.
Se o raciocínio é
arma,
De que até nos
servimos contra a crença,
Já foi lavrada Além
nossa sentença,
Temos de obedecer à
lei do Karma.
O que semeia o mal
nesta existência,
Na seguinte existência
há de expiá-lo;
Assim como o que nós
hoje sofremos
É o castigo do mal
que praticamos
Na vida já vivida
Neste mesmo planeta,
onde ora estamos,
Ou em outra qualquer
região perdida
Na multiplicidade das
estrelas
Que povoam o azul do
Firmamento,
Pois não foram criadas,
todas elas,
Para estar em inútil
movimento.
Os rápidos prazeres e
alegrias
Que embalam nossos
dias,
Já são as recompensas
merecidas
Do bem que semeamos
noutras vidas.
Quanto ao céu e o
inferno, de que falam
As velhas escrituras,
São coisas que afinal
já não abalam
As consciências
seguras:
Por cinquenta ou
noventa anos de vida
Na terra pervertida,
Lentas penas não há
de
Penar a alma em toda
a Eternidade.
A lei de causa e efeito
Sabiamente aplicada às
nossas dores,
Como castigo ao mal
que temos feito,
E às nossas alegrias
Premiando, com o bem,
o bem perfeito,
É a corrente que
enlaça os nossos dias
Desde a série das
vidas anteriores
Até as mais remotas
existências,
Nesses núcleos
solares, onde as flores
Têm alma, e as almas –
divinais essências.
Livro Primeiro: Contemplação e Crença
Rio, 1909.
Senhores do Karma
(Gisela Fabian:
pintora germano-americana)
Referência:
TEIXEIRA, Múcio. O karma. In:
__________. Terra incógnita: poema. São
Paulo, SP: Casa Duprat Editora, 1916. p. 139-143.
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