Torga explica a sua própria poética, “intensa e oculta”, num turbilhão
íntimo que não se deixa divisar, como um vulcão de nenhuma erupção externa,
sobre o qual se possa apascentar o gado sem sobressaltos.
Mas a exteriorização de sua poesia se dá como quem a atira à
queima-roupa contra a serenidade de quem passa, prisioneira que é, a esperar que
as grades das celas fiquem fortuitamente abertas, para se libertar qual atiçada
e impetuosa chispa provinda de uma fogueira.
J.A.R. – H.C.
Miguel Torga
(1907-1995)
Biografia
Sonho, mas não
parece.
Nem quero que pareça.
É por dentro que eu
gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como
um sentimento
De que se tem pudor.
Vulcão de exterior
Tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele
apascentar o gado.
Mas os versos,
depois,
Frutos do sonho e
dessa mesma vida,
É quase à
queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade
de quem passa.
Então, já não sou eu
que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da
prisão aberta,
Como chispa que salta
da fogueira,
Numa agressiva fúria
se liberta.
Fogueira
(Winslow Homer:
pintor norte-americano)
Referência:
TORGA, Miguel. Biografia. In:
__________. Antologia poética. 4.
ed. Coimbra, PT: Ed. do Autor, 1984. p. 210.
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