Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

René Char - O Sorgue

O Sorgue é o rio que passa na aldeia do poeta, símbolo da vida a jorrar, apesar de todo o maltrato a que é submetido. Abandonado, castigado, ele se presta a atender a todos, independentemente de sua condição material ou, até mesmo, mental: crianças, pobres, trabalhadores, loucos de toda espécie...

De fato é um rio local, enclausurado no íntimo do autor, mas que se pode entender em sua universalidade, belo e sempre prestes a ressuscitar uma torrente de imagens indelevelmente registradas num coração que buscar reviver os momentos epifânicos da infância, para que possam ser também apreciados por sua musa e amante, Yvonne Zervos, a quem dedica o poema.  

J.A.R. – H.C.

René Char
(1907-1988)

La Sorgue
Chanson pour Yvonne

Rivière trop tôt partie, d’une traite, sans compagnon,
Donne aux enfants de mon pays le visage de ta passion.

Rivière où l’éclair finit et où commence ma maison,
Qui roule aux marches d’oubli la rocaille de ma raison.

Rivière, en toi terre est frisson, soleil anxiété.
Que chaque pauvre dans sa nuit fasse son pain de ta moisson.

Rivière souvent punie, rivière à l’abandon.

Rivière des apprentis à la calleuse condition,
Il n’est vent qui ne fléchisse à la crête de tes sillons.

Rivière de l’âme vide, de la guenille et du soupçon,
Du vieux malheur qui se dévide, de l’ormeau, de la compassion.

Rivière des farfelus, des fiévreux, des équarrisseurs,
Du soleil lâchant sa charrue pour s’acoquiner au menteur.

Rivière des meilleurs que soi, rivière des brouillards éclos,
De la lampe qui désaltère l’angoisse autour de son chapeau.

Rivière des égards au songe, rivière qui rouille le fer,
Où les étoiles ont cette ombre qu’elles refusent à la mer.

Rivière des pouvoirs transmis et du cri embouquant les eaux,
De l’ouragan qui mord la vigne et annonce le vin nouveau.

Rivière au coeur jamais détruit dans ce monde fou de prison,
Garde-nous violent et ami des abeilles de l’horizon.

Dans: “Fureur et mystère” (1948)

L’Isle-sur-Sorgues
(Tony Brummel Smith: artista inglês)

O Sorgue
Canção para Ivonne

Rio que parte cedo demais, de uma só vez, sem companheiro,
Dá aos infantes do meu país o rosto de tua paixão.

Rio onde finda o clarão e onde começa a minha casa,
Que faz rolar pelos degraus do olvido a rocalha de minha razão.

Rio, em ti a terra é estremecimento, o sol, ansiedade.
Que cada pobre em tua noite faça o seu pão de tua colheita.

Rio frequentemente castigado, rio abandonado.

Rio dos aprendizes de calejada condição,
Não há vento que não se curve ante a crista de teus sulcos.

Rio de alma vazia, de trapos e de suspeição,
Do velho infortúnio que se desdobra, dos olmos, da compaixão.

Rio dos excêntricos, dos febris, dos esquartejadores,
Do sol a largar o arado para envolver-se com os mendazes.

Rio dos melhores que si mesmos, rio de névoas que despontam,
Da lâmpada que mitiga a angústia à volta de seu chapéu.

Rio de reverências ao sonho, rio que oxida o ferro,
Onde as estrelas têm essa sombra que recusam ao mar.

Rio dos poderes transmitidos e do grito a embocar as águas,
Do furacão que investe sobre a vinha e anuncia o vinho novo.

Rio de coração jamais destruído neste mundo louco de prisão,
Preserva-nos violento e amigo das abelhas do horizonte.

De: “Furor e Mistério” (1948)

Referência:

CHAR, René. La Sorgue. In: DÉCAUDIN, Michel (Éd.). Anthologie de la poésie française du XXe siècle. Préface de Claude Roy. Édition revue et augmentée. Paris, FR: Gallimard, 2000. p. 524-525.

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