Num modo personalíssimo de gozar a experiência de ser poeta, o sujeito
lírico põe-se a identificar padrões em seu existir que muito se ajustam aos da
simbologia cristã, em especial com a metáfora de Jesus enquanto pescador de
homens.
A tradução que abaixo apresento é da poetisa Henriqueta Lisboa, que foi amiga da Nobel chilena. Contudo, a referida versão deixou-me perplexo na parte
final da penúltima estrofe, quando se converte a expressão “de mi Jesucristo / que,
como en la fábula, / el último vino, / y en redes ni cáñamos
/ ni lazos me ha herido.”
para “do meu Jesus Cristo / que, como na fábula, / só veio no fim / e em redes nem cânhamos / preso, não me quis.”
Veja-se que, da tradução de Lisboa,
fica-nos a impressão de que Cristo rejeitou o poeta por completo, quando, de
fato, pelo que se infere da última
estrofe do poema, o que se deve deduzir dessa passagem de Mistral é que
Cristo teria “ferido”, ou melhor, sensibilizado o poeta para a sua causa, sem o
uso de quaisquer elementos que sugiram coação física ou mental. Ou será que há
outra interpretação possível para o excerto, que este internauta não logrou captar?...
J.A.R. – H.C.
Gabriela Mistral
(1889-1957)
Poeta
A Antonio Aita.
“En la luz del mundo
yo me he confundido.
Era pura danza
de peces benditos,
y jugué con todo
el azogue Vivo.
Cuando la luz dejo,
quedan peces lívidos
y a la luz frenética
vuelvo enloquecido.”
“En la red que llaman
la noche, fui herido,
en nudos de Osas
y luceros vivos.
Yo le amaba el coso
de lanzas y brillos,
hasta que por red
me la he conocido
que pescaba presa
para los abismos.”
“En mi propia carne
también me he
afligido.
Debajo del pecho
me daba un vagido.
Y partí mi cuerpo
como un enemigo,
para recoger
entero el gemido.”
“En límite y límite
que toqué fui herido.
Los tomé por pájaros
del mar,
blanquecinos.
Puntos cardinales
son cuatro
delirios...
Los anchos alciones
no traigo cautivos
y el morado vértigo
fue lo recogido.”
“En los filos altos
del alma he vivido:
donde ella espejea
de luz y cuchillos,
en tremendo amor
y en salvaje ímpetu,
en grande esperanza
y en rasado hastío.
Y por las cimeras
del alma fui herido.”
“Y ahora me llega
del mar de mi olvido
ademán y seña
de mi Jesucristo
que, como en la
fábula,
el último vino,
y en redes ni cáñamos
ni lazos me ha
herido.”
“Y me doy entero
al Dueño divino
que me lleva como
un viento o un río,
y más que un abrazo
me lleva ceñido,
en una carrera
en que nos decimos
nada más que “¡Padre!”
y nada más que “¡Hijo!”
O Poeta
(Egon Schiele: pintor
austríaco)
Poeta
Na luz do universo
eu me confundi.
Era pura dança
de peixes benditos.
Recreei-me com
todo o azougue vivo.
Quando deixo a luz
quedam peixes lívidos
e à luz frenética
volto enlouquecido.
Na rede que chamam
noite, fui ferido
em vínculos de Ursas
e luzeiros vivos.
Eu amava a arena
de lanças e ristes,
até que a urdidura
lhe reconheci:
rede que pescava
presas para o abismo.
Nas próprias
entranhas
também me afligi.
No fundo do peito
sentia um vagido.
E rompi meu corpo
como um inimigo
para recolher
inteiro o gemido.
Nos limites vários
que toquei, feri-me.
Tomei-os por pássaros
marítimos, níveos.
Os pontos cardiais
são quatro delírios.
Os grandes alciões
não trago cativos.
Recolhi apenas
rubor e vertigem.
Nos âmbitos da alma
eu tenho vivido:
onde ela cintila
de luz e de espadas
em tremendo amor
e selvagem ímpeto,
em grande esperança
e tédio e fadiga.
E pelas cumiadas
da alma, fui ferido.
E agora me chega
do oceano do olvido
apelo e sinal
do meu Jesus Cristo
que, como na fábula,
só veio no fim
e em redes nem
cânhamos
preso, não me quis.
Inteiro me entrego
ao Dono Divino
que me leva como
um vento ou um rio,
e mais que um abraço
guarda-me cingido
em uma carreira
em que só dizemos
a palavra – Pai
e a palavra – Filho.
Referência:
MISTRAL, Gabriela. Poeta / Poeta.
Tradução de Henriqueta Lisboa. In: LISBOA, Henriqueta. Poesia traduzida. Organização, introdução e notas de Reinaldo
Marques e Maria Eneida Victor Farias. Edição bilíngue. Belo Horizonte, MG: Ed.
UFMG, 2001. Em espanhol: p. 382 e 384; em português: p. 383 e 385. (Inéditos
& Esparsos)
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