O poeta cinzela, do mesmo modo que o cinzelador extrai poesia do seu
ofício, assim informa a epígrafe que Bilac emprega em seu poema, subtraída ao
grande escritor francês Victor Hugo. De fato, tudo é mote para expressar a “profissão
de fé” nos padrões gerais da poesia parnasiana, em especial o culto à forma, a
arte pela arte e o preciosismo.
Bilac eleva às alturas o labor poético, empregando uma linguagem apurada
em meio à norma rígida que adota, tudo para que, por fim, o poema saia, como
ele próprio afirma, sem defeitos da oficina.
J.A.R. – H.C.
Olavo Bilac
(1865-1918)
Profissão de Fé
Le poète est
ciseleur,
Le ciseleur est
poète.
Victor Hugo
Não quero o Zeus
Capitolino,
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore
divino
Com o camartelo.
Que outro – não eu! –
a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o
altivo porte
Descomunal.
Mais que esse vulto
extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve
relicário
De fino artista.
Invejo o ourives
quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro,
o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem
de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a
pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por
servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata
firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha,
enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a
ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora,
alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro
engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe
cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da
oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do
verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar
de um vaso
De Becerril.
E horas sem conto
passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de
tudo
O pensamento.
Porque o escrever –
tanta perícia,
Tanta requer,
Que ofício tal... nem
há notícia
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha
pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa
serena,
Serena Forma!
Deusa! A onda vil,
que se avoluma
De um torvo mar,
Deixa-a crescer; e o
lodo e a espuma
Deixa-a rolar!
Blasfemo, em grita
surda e horrendo
Ímpeto, o bando
Venha dos bárbaros
crescendo,
Vociferando...
Deixa-o: que venha e
uivando passe
– Bando feroz!
Não se te mude a cor
da face
E o tom da voz!
Olha-os somente,
armada e pronta,
Radiante e bela:
E, ao braço o escudo,
a raiva afronta
Dessa procela!
Este que à frente
vem, e o todo
Possui minaz
De um vândalo ou de um
visigodo,
Cruel e audaz;
Este, que, de entre
os mais, o vulto
Ferrenho alteia,
E, em jato, expele o
amargo insulto
Que te enlameia:
É em vão que as
forças cansa, e à luta
Se atira; é em vão
Que brande no ar a
maça bruta
A bruta mão.
Não morrerás, Deusa
sublime!
Do trono egrégio
Assistirás intacta ao
crime
Do sacrilégio.
E, se morreres por
ventura,
Possa eu morrer
Contigo, e a mesma
noite escura
Nos envolver!
Ah! ver por terra,
profanada,
A ara partida;
E a Arte imortal aos
pés calcada,
Prostituída!...
Ver derribar do
eterno sólio
O Belo, e o som
Ouvir da queda do
Acropólio,
Do Partenon!...
Sem sacerdote, a
Crença morta
Sentir, e o susto
Ver, e o extermínio,
entrando a porta
Do templo augusto!...
Ver esta língua, que
cultivo,
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito
nocivo
Dos infiéis!...
Não! Morra tudo que
me é caro,
Fique eu sozinho!
Que não encontre um
só amparo
Em meu caminho!
Que a minha dor nem a
um amigo
Inspire dó...
Mas, ah! que eu fique
só contigo,
Contigo só!
Vive! que eu viverei
servindo
Teu culto, e,
obscuro,
Tuas custódias
esculpindo
No ouro mais puro.
Celebrarei o teu
oficio
No altar: porém,
Se inda é pequeno o
sacrifício,
Morra eu também!
Caia eu também, sem
esperança,
Porém tranquilo,
Inda, ao cair,
vibrando a lança,
Em prol do Estilo!
Em: “Panóplias” (1886)
O Escultor
(William Gear: pintor
escocês)
Referência:
BILAC, Olavo. Profissão de fé. In: __________.
Poesias: edição definitiva. Rio de Janeiro, RJ; Paris, FR: H. Garnier
Livreiro-Editor, 1902. p. 1-6.
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