Housman contempla Deus, neste poema, como um legislador de cujas normas discorda,
por insólitas, tanto quanto discorda, com a mesma convicção, das leis humanas.
Mas o poeta alude especificamente a um tipo de norma que, por sua natureza, não
é possível cumprir, a despeito das ineludíveis exigências da sociedade.
Isso me faz lembrar de certa passagem do livro “Deus: um delírio”, de
Richard Dawkins (2008, p. 51), que aqui menciono em tradução livre: “O Deus do
Antigo Testamento é sem dúvida o personagem mais desagradável da ficção:
ciumento e orgulhoso; mesquinho, injusto, inclemente controlador; vingativo,
limpador étnico e sanguinário; misógino, homofóbico, racista, infanticida, genocida,
filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, intimidador
caprichosamente malévolo”.
A referência assomou-me à razão, porque penso que, como Dawkins, Housman
fosse um ateu ou tenha flertado, em determinado momento da vida, com o ateísmo,
ou, talvez ainda, na melhor das hipóteses, defendia o agnosticismo. Seja como
for, afirma o poeta, como não é possível migrar para Saturno ou Mercúrio, ainda
que em espírito, o jeito é se sujeitar a tais leis...
J.A.R. – H.C.
Alfred Edward Housman
(1859-1936)
The laws of
God, the laws of man
The laws of God, the laws of man,
He may keep that will and can;
Not I: let God and man decree
Laws for themselves and not for me;
And if my ways are not as theirs
Let them mind their own affairs.
Their deeds I judge and much condemn,
Yet when did I make laws for them?
Please yourselves, say I, and they
Need only look the other way.
But no, they will not; they must still
Wrest their neighbor to their will,
And make me dance as they desire
With jail and gallows and hell-fire.
And how am I to face the odds
Of man’s bedevilment and God’s?
I, a stranger and afraid
In a world I never made.
They will be master, right or wrong;
Though both are foolish, both are strong.
And since, my soul, we cannot fly
To Saturn nor to Mercury,
Keep we must, if keep we can,
These foreign laws of God and man.
(wr. 1900; pub. 1922)
Moisés com a Tábua dos Dez Mandamentos
(Rembrandt: pintor
holandês)
As leis de Deus, as leis do homem
As leis de Deus, as
leis do homem.
Prevalecer pode a
vontade Dele.
Não, a minha: que
Deus e o homem as ordenem
Para si próprios, não
para mim.
E, se não são os
deles os meus caminhos,
Que sejam eles os
responsáveis.
Julgo-lhes as ações e
com rigor as condeno.
Entretanto, alguma
vez voz me deram para legislar?
Exultem-se com elas, assim
entendo, eles apenas
Observando-as
necessitam de ficar.
Porém, não, não o
farão; o que devem ainda tentar é
Seduzir e convencer
seus semelhantes.
Oscilar me fazem
segundo o seu desejo,
Entre a prisão, a
forca e o fogo do inferno.
Neste impasse, como enfrentar
os desafios
Das durezas dos
homens e de Deus?
Um estranho amedrontado
me sinto
Num mundo que não
construí.
Estando certos ou errados,
soberanos serão.
Embora tolos ambos
sejam, ambos são fortes.
E, desde que, como espíritos,
não possamos voar
Para Saturno nem para
Mercúrio,
Estas leis de Deus e
do homem, quanto possível,
Obedecer devemos
ainda que delas discordando.
(red. 1900; pub.
1922)
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Referências:
Em Inglês
HOUSMAN, Alfred Edward. The laws of god, the laws of man. In: BLYTH,
Caroline (Ed.). Decadent verse: an anthology
of late-victorian poetry, 1872-1900. London (EN): Anthem Press, 2011. p. 700.
DAWKINS, Richard. The god delusion. New York, NY: Houghton Mifflin Company, 2008.
DAWKINS, Richard. The god delusion. New York, NY: Houghton Mifflin Company, 2008.
Em Português
HOUSMAN, Alfred Edward. As leis de Deus, as
leis do homem. Disponível neste
endereço. Acesso: 28 abr. 2016.
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