Para Ana Cesar, doravante, o ato de escrever poemas tem natureza
terapêutica: uma poética não profética, desvestida de elementos que não sejam
pertinentes à enunciação descritiva das coisas, sejam elas animadas ou não.
Desse modo, a poetisa investiga sobre as possibilidades da linguagem
para dar conta da vacuidade em seu próprio espírito: o caderno terapêutico
decreta o estado de fragmentação do cotidiano, aberto a todas as livres
associações que da mente humana possam advir.
J.A.R. – H.C.
Ana Cristina Cesar
(1952-1983)
Fogo do final
Preciso começar de
novo o caderno terapêutico.
Não é como o fogo do
final. Um caderno
terapêutico é outra
história. É deslavada. Sem
luvas. Meio bruta. É
um papel que desistiu de
dar recados. Uma
imitação da lavanderia com
suas máquinas a seco
e suas prensas a vapor. Um
relatório do
instituto nacional de comércio,
ríspido mas ditoso,
inconfessadamente ditoso.
Nele eu sou eu e você
é você mesmo. Todos nós.
Digo tudo com ais à
vontade. E recolho os restos
das conversas,
ambulância. Trottoir na casa.
Umas tantas cismas. O
terapêutico não se faz de
inocente ou de
rogado. Responde e passa as
chaves. Metálico,
estala na boca, sem cascata.
E de novo.
Barreira de Fogo
(Joann Gwen Meharg: artista
norte-americana)
Referência:
CESAR, Ana Cristina. Fogo do final. In:
__________. A teus pés. São Paulo,
SP: Brasiliense, 1993. p. 53.
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