Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 11 de junho de 2016

Ana Cristina Cesar - Fogo do final

Para Ana Cesar, doravante, o ato de escrever poemas tem natureza terapêutica: uma poética não profética, desvestida de elementos que não sejam pertinentes à enunciação descritiva das coisas, sejam elas animadas ou não.

Desse modo, a poetisa investiga sobre as possibilidades da linguagem para dar conta da vacuidade em seu próprio espírito: o caderno terapêutico decreta o estado de fragmentação do cotidiano, aberto a todas as livres associações que da mente humana possam advir.

J.A.R. – H.C.

Ana Cristina Cesar
(1952-1983)

Fogo do final

Preciso começar de novo o caderno terapêutico.
Não é como o fogo do final. Um caderno
terapêutico é outra história. É deslavada. Sem
luvas. Meio bruta. É um papel que desistiu de
dar recados. Uma imitação da lavanderia com
suas máquinas a seco e suas prensas a vapor. Um
relatório do instituto nacional de comércio,
ríspido mas ditoso, inconfessadamente ditoso.
Nele eu sou eu e você é você mesmo. Todos nós.
Digo tudo com ais à vontade. E recolho os restos
das conversas, ambulância. Trottoir na casa.
Umas tantas cismas. O terapêutico não se faz de
inocente ou de rogado. Responde e passa as
chaves. Metálico, estala na boca, sem cascata.
E de novo.

Barreira de Fogo
(Joann Gwen Meharg: artista norte-americana)

Referência:

CESAR, Ana Cristina. Fogo do final. In: __________. A teus pés. São Paulo, SP: Brasiliense, 1993. p. 53.

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