Jorge de Sena recita a frase que Gonzaga teria dado a conhecer aos pares:
“eu tenho um coração maior que o mundo”. Nela há, decerto, significativo grau
de idealismo, idealismo que talvez o levara a abraçar as aspirações albergadas
pelos que participaram da Conjuração Mineira.
E exatamente por seu envolvimento nessa luta, Gonzaga foi deportado para
a África, a fim de cumprir, em Moçambique, sentença de dez anos. E lá conseguiu
realizar-se materialmente, de forma a cumprir o sonho que, antes,
ainda no Brasil, deplorara por não convergir para a ventura.
Ao perceber a guinada vertical na história do poeta da Arcádia, Sena lança
mão de fina ironia para contrapor o “modus operandi” empregado por Gonzaga para
“engordar” – qual seja, pela venda de escravos –, ao ideal de liberdade inscrito
na bandeira concebida pelos inconfidentes: “Libertas Quæ Sera Tamen” (“Liberdade
Ainda que Tardia”), tomado à primeira écloga de Virgílio.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Sena
(1919-1978)
Homenagem a Tomás António de Gonzaga
Gonzaga: podias não
ter dito mais nada,
não ter escrito senão
insuportáveis versos
de um árcade pedante,
numa língua bífida
para o coloquial e o
latim às avessas.
Mas uma vez disseste:
“eu tenho um coração
maior que o mundo”.
Pouco importa em que
circunstâncias o disseste:
Um coração maior que
o mundo –
uma das mais raras
coisas
que um poeta disse.
Talvez que a tenhas
copiado
de algum velho
clássico. Mas como
a tu disseste,
Gonzaga! Por certo
que o teu coração era
maior que o mundo:
nem pátrias nem
Marílias te bastavam.
(Ainda que em
Moçambique, como Rimbaud na Etiópia,
engordasses depois
vendendo escravos).
Bandeira do Estado
de Minas Gerais
Referência:
SENA, Jorge de. Homenagem a Tomás
António de Gonzaga. In: __________. Poesia
III. Lisboa, PT: Edições 70, 1989. p. 95.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário