Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Jorge de Sena - Homenagem a Tomás António de Gonzaga

Jorge de Sena recita a frase que Gonzaga teria dado a conhecer aos pares: “eu tenho um coração maior que o mundo”. Nela há, decerto, significativo grau de idealismo, idealismo que talvez o levara a abraçar as aspirações albergadas pelos que participaram da Conjuração Mineira.

E exatamente por seu envolvimento nessa luta, Gonzaga foi deportado para a África, a fim de cumprir, em Moçambique, sentença de dez anos. E lá conseguiu realizar-se materialmente, de forma a cumprir o sonho que, antes, ainda no Brasil, deplorara por não convergir para a ventura.

Ao perceber a guinada vertical na história do poeta da Arcádia, Sena lança mão de fina ironia para contrapor o “modus operandi” empregado por Gonzaga para “engordar” – qual seja, pela venda de escravos –, ao ideal de liberdade inscrito na bandeira concebida pelos inconfidentes: “Libertas Quæ Sera Tamen” (“Liberdade Ainda que Tardia”), tomado à primeira écloga de Virgílio.

J.A.R. – H.C.

Jorge de Sena
(1919-1978)

Homenagem a Tomás António de Gonzaga

Gonzaga: podias não ter dito mais nada,
não ter escrito senão insuportáveis versos
de um árcade pedante, numa língua bífida
para o coloquial e o latim às avessas.

Mas uma vez disseste:
“eu tenho um coração maior que o mundo”.
Pouco importa em que circunstâncias o disseste:

Um coração maior que o mundo –
uma das mais raras coisas
que um poeta disse.

Talvez que a tenhas copiado
de algum velho clássico. Mas como
a tu disseste, Gonzaga! Por certo

que o teu coração era maior que o mundo:
nem pátrias nem Marílias te bastavam.

(Ainda que em Moçambique, como Rimbaud na Etiópia,
engordasses depois vendendo escravos).

Bandeira do Estado
de Minas Gerais

Referência:

SENA, Jorge de. Homenagem a Tomás António de Gonzaga. In: __________. Poesia III. Lisboa, PT: Edições 70, 1989. p. 95.

Nenhum comentário:

Postar um comentário