Mallarmé presta aqui um tributo enigmático – para não dizer obscuro – a
seu conterrâneo Baudelaire, da mesma forma que o dispensou ao escritor e poeta
norte-americano Allan Poe, neste outro soneto.
Suas alusões se tornam meio ambíguas em razão de que não há pontuação –
à exceção, é claro, do ponto final – para conceder recurso sintático ao poema,
o que muito contribuiria para a sua correta interpretação pelo leitor.
O relevo que Mallarmé confere às imagens do túmulo, sob o duplo auspício
de Anubis e da prostituta, parece evocar a fragrância sedutora e mortal das “flores
do mal”, verdadeiros rubis que emergem dos humores do lodo.
J.A.R. – H.C.
Stéphane Mallarmé
(1842-1898)
Le tombeau de Charles Baudelaire
Le temple enseveli
divulgue par la bouche
Sépulcrale d’égout bavant boue et rubis
Abominablement quelque idole Anubis
Tout le museau flambé comme un aboi farouche
Ou que le gaz récent torde la mèche louche
Essuyeuse on le sait des opprobres subis
Il allume hagard un immortel pubis
Dont le vol selon le réverbère découche
Quel feuillage séché
dans les cités sans soir
Votif pourra bénir
comme elle se rasseoir
Contre le marbre
vainement de Baudelaire
Au voile qui la ceint absente avec frissons
Celle son Ombre même un poison tutélaire
Toujours à respirer
si nous en périssons.
Representação de Anubis
O túmulo de Charles Baudelaire
O templo tumular
divulga em sepulcral
Boca de esgoto as
gotas de lodo e rubis
Abominavelmente algum
ídolo Anubis(*)
Todo o focinho a
arder como um uivo brutal
Ou que o gás novo
aviva a mecha trivial
Submissa a opróbrios
sabe-se uma meretriz
Ele acende selvagem
um imortal púbis
Cujo voo entre
lâmpadas é sensual
Que louros a secar em
vilas sem poente
Votivos vão benzer
como ela põe-se ausente
Inútil frente ao
mármore de Baudelaire
No véu que vibra e a
ela ausente a envolver
Aquela a Sombra dele
um vírus protetor
Por sempre a
respirarmos até no estertor.
Túmulo de Baudelaire
(Cemitério de
Montparnasse: Paris)
Nota do Tradutor:
(*) Anubis: antigo deus egípcio, com o
corpo de homem e cabeça de chacal. Era quem presidia os sepulcros.
Referência:
MALLARMÉ, Stéphane. Le tombeau de Charles Baudelaire / O túmulo
de Charles Baudelaire. Tradução de José Lino Grünewald. In: __________. Stéphane Mallarmé: poemas. Tradução e
notas de José Lino Grünewald. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2015. Em
francês: p. 34; em português: p. 35. (Coleção “Saraiva de bolso”)
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