Eis aqui uma análise externa sobre o atual momento político brasileiro,
com negritos nossos, de autoria do jornalista e escritor português Miguel Sousa
Tavares, publicado hoje, 23.4.2016, no “site” de notícias “Expresso”: nunca se viu tantas verdades sobre esta “grande pátria desimportante” em tão poucas linhas!
J.A.R. – H.C.
A Pretexto do Brasil
(Miguel de Sousa
Tavares)
Não sei se os
brasileiros terão a noção do que as oito horas de votação na Câmara de
Deputados para destituir Dilma Rousseff tiveram de demolidor para a imagem do
Brasil no mundo. Entre os povos livres e
civilizados, a ideia que passou é que o Brasil é mesmo um país do Terceiro
Mundo, onde a democracia é uma farsa e a classe política um grupo de
malfeitores de onde está ausente qualquer vestígio de serviço público.
Entre os países do verdadeiro Terceiro Mundo, alguns dos quais bastante mais
bem governados do que o Brasil, a ideia do país como potencial líder do grupo
dos emergentes caiu por terra com estrondo: perante aquele indecoroso
espectáculo transmitido em directo para o país e para o mundo, as hipóteses de
o Brasil alcançar o ambicionado lugar de membro permanente do Conselho de
Segurança das Nações Unidas só podem ter sido seriamente comprometidas.
Não está em causa
saber se Dilma governa mal ou bem: governa mal e devia sair pelo seu pé. Não
está em causa se o PT esgotou o seu tempo e devia dar hipótese de nascença a um
novo ciclo político: sim, devia, e Lula – a quem o Brasil tanto ficou a dever –
faria bem melhor em remeter-se às palestras e nada mais. Já não está em causa sequer saber se há fundamento jurídico e
constitucional para a demissão da Presidente: não há, o processo é puramente
político e, nesse sentido, o impeachment é, de facto, um golpe, levado a cabo
pelos derrotados das presidenciais. Mas em democracia os governos são
julgados em eleições e ninguém tem culpa de que na absurda Constituição
Brasileira, que tenta a fusão impossível entre o presidencialismo à americana e
o governo à europeia, não existam as figuras da moção de censura ou de eleições
antecipadas (uma lacuna que deriva directamente do igualmente absurdo sistema
político que faz com que o Presidente e chefe de Governo nunca tenha maioria
num Congresso onde convivem 26 partidos, mais uma série de fidelidades
regionais e sectoriais). Com o pretexto
arregimentado para destituir Dilma – as tais “pedaladas fiscais” – qualquer
governo de qualquer democracia poderia ser substituído a qualquer momento, sem
grande esforço. Mas exigia-se, pelo menos, que o processo de destituição da
Presidente do Brasil tivesse um mínimo de dignidade e de seriedade que o gesto
impunha. Mas não foi isso o que sucedeu e o que está a suceder: os chefes do
“golpe”, todos a contas com a Justiça, são gente que de todo se recomenda; os
seus apaniguados são tipos que não se convidam para jantar em casa; o partido
que comanda o golpe e mais espera dele vir a beneficiar, o PMDB, é o exemplo
acabado de tudo aquilo que a política não deveria ser; e o espectáculo protagonizado
pelos deputados ultrapassou tudo o que a simples decência devia permitir. A mensagem que o Brasil passou ao mundo é
esta: “Não nos levem a sério”.
A situação do Brasil – que tem
provavelmente a pior classe política do mundo – remete-nos para uma questão de
difícil opinião: são os povos que têm o que merecem ou há povos que têm um azar
particular na escolha dos seus dirigentes? Em ditadura, é fácil de resolver a
questão: o povo não escolhe. Mas em democracia, e embora o exemplo do Brasil
seja extremo, é difícil acreditar na tese populista de que o povo é bestial, os
políticos é que são todos uma nódoa. São os brasileiros que escolheram os
políticos que têm e, entre tantos milhares de governantes, congressistas,
governadores, prefeitos, deputados estaduais, dirigentes de empresas e
organismos públicos, não é possível acreditar que, sendo a regra a corrupção, o
caciquismo e a batota, tal não tenha que ver com as características
fundamentais e estruturais de toda a sociedade brasileira. O grande problema do
Brasil é um problema de educação cívica e política, da ausência de uma cultura
de exigência e de responsabilidade no desempenho de funções públicas. E isso é
vertical e transversal a toda a sociedade brasileira. E depois entram em jogo o
populismo e a demagogia, que aqui encontram terreno fértil: habituados a que a
regra do jogo seja a de serem eternamente mal governados, os brasileiros (tal
como nós) já não distinguem uma má governação de uma governação difícil. Tendo
interiorizado que todos os políticos são por natureza bandidos, o povo que
desce às ruas acha que governar bem é sempre fácil: basta ser honesto e bem
intencionado e logo a economia melhora e todos prosperam. O destino dos países
e das nações seria assim apenas uma questão de boa-fé e de vontade: basta que
os dirigentes o queiram, que se preocupem com o povo, e tudo se torna
imediatamente melhor.
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Brilhante análise e comentário. Obrigado e parabéns. Minha única ressalva diz respeito ao crime de responsabilidade da presidente: é fato, não golpe. Se o senhor cuidar de verificar mais cuidadamente, certamente concluirá pela procedência. Para não mencionar os demais crimes que só vieram à tona depois e que não são poucos nem releváveis.
ResponderExcluirNós, brasileiros, sonhamos ter todos eles, de todos os partidos, cassados, julgados e condenados, na medida de sua culpabilidade.
Parabéns, mais uma vez.